BALANÇO SINDICAL DE 2006
A ECONOMIA CONTINUOU A DIVERGIR DA MÉDIA EUROPEIA
2006 não deixou boas recordações aos trabalhadores nem à grande maioria da população, no que concerne às suas condições de vida e de trabalho. Mais uma vez foram tomadas medidas altamente penalizadoras para os trabalhadores com a promessa de um futuro radioso, mas o que se constata é que os pobres estão cada vez mais pobres e os ricos cada vez mais ricos, sem que se vejam resultados, do ponto de vista estruturante, das medidas que sucessivamente são tomadas com essa constante invocação. O progresso e o bem-estar estiveram arredados das condições de vida de grande parte dos portugueses e não marcaram a evolução do país.
Pelo contrário, o acentuar dos desequilíbrios sociais e as injustiças, a subordinação aos interesses do grande capital e a ofensiva privatizadora contra todo o sector público, a ausência de rigor e da ética a vários níveis da sociedade, são marcas que se mantêm visíveis na nossa vida colectiva e que conduzem à degradação dos valores da democracia, criando um sentimento de desesperança no futuro do país.
A obsessão orçamental conduziu a políticas restritivas no investimento público, nas políticas sociais, particularmente na segurança social e na saúde, e na Administração Pública, mas não se atacaram os principais problemas económicos do país.
A política económica continuou centrada na redução do défice público, apesar de serem de ordem económica os principais problemas estruturais do país. Daí resultou não se registarem progressos significativos em àreas-chave como a melhoria da produtividade, o reforço da qualificação dos trabalhadores, a política de investigação e desenvolvimento e a inovação. O investimento continuou a cair, o défice da balança corrente atingiu 10% e o crescimento manteve-se abaixo da média europeia, levando a que Portugal continue a divergir pelo quinto ano consecutivo.
A nível político, verificou-se a eleição de Cavaco Silva para a Presidência da República, a 22 de Janeiro, iniciando-se uma coabitação, assumida em termos de “cooperação estratégica”, entre este órgão de poder e o Governo, cujas expressões mais visíveis foram até agora, no plano nacional, o Pacto para a Justiça, o carrear de posições da direita para o texto final da Lei de Bases da Segurança Social, e a assumpção de credibilização recíproca da respectivas actuações políticas.
UMA VIOLENTA OFENSIVA CONTRA OS DIREITOS DOS TRABALHADORES
Na decorrência daquelas políticas, desenvolveu-se uma violenta ofensiva contra os direitos laborais e sociais dos trabalhadores.
A situação no mercado de trabalho não melhorou, apesar de ter havido um ligeiro crescimento económico. A taxa de desemprego deverá ficar próxima da do ano anterior. O desemprego de longa duração continua elevado, abrangendo perto de metade dos desempregados e a taxa de desemprego dos jovens continua a ser mais do dobro da taxa geral, enquanto a precariedade do emprego (contratos a prazo, trabalho temporário e outros) se agravou, atingindo 21,6% no terceiro trimestre.
A contratação colectiva continuou a enfrentar uma situação de crise em resultado de bloqueios patronais, apoiados num Código do Trabalho (cujo “processo de revisão” começou a ser preparado), concebido para permitir a caducidade das convenções colectivas de trabalho. Os aumentos salariais médios fixados na contratação colectiva (2,8%) não permitiram recuperar o aumento do custo de vida, já que a inflação poderá atingir 3,1% no final do ano. A quebra do poder de compra foi mais acentuada na Administração Pública, visto que os aumentos salariais foram apenas de 1,5%. O salário mínimo também não teve melhoria do seu poder aquisitivo.
Os trabalhadores da Administração Pública foram particularmente visados, nos seus direitos e interesses, não apenas pelas actualizações salariais muito inferiores à inflação, mas também pelo congelamento da progressão das carreiras. No caso dos professores, a aprovação e início da imposição de um estatuto da carreira dos educadores de infância e dos professores do ensino básico e secundário, que nenhuma organização sindical aprovou por ele ser muito mais um instrumento penalizador dos seus destinatários e empobrecedor da sua carreira do que um pólo motivador e dinamizador dos docentes e da sua profissionalização. No início de Dezembro, foi publicada a lei da mobilidade que visa criar condições para o despedimento dos trabalhadores.
Na área da saúde o fecho de blocos de partos e urgências obstétricas em várias localidades, o encerramento de urgências nocturnas em vários centros de saúde, o aumento de taxas moderadoras e o seu alargamento a internamentos e cirurgias, bem como a redução das comparticipações na aquisição de medicamentos, constituíram-se como acontecimentos marcantes de 2006. Alguns centros de saúde foram transformados em unidades de saúde familiares e iniciou-se a discussão sobre o modelo do financiamento da saúde. Os cidadãos, que financiam o Serviço Nacional de Saúde através de impostos, foram chamados a pagarem mais pelos cuidados de saúde.
Na educação e no ensino, o combate ao insucesso e abandono escolares não passou da demagogia do discurso político do Governo e o futuro antevê-se carregado de problemas que os inexplicáveis cortes no orçamento para a educação vão agravar, com prejuízo para os jovens; em 2006 foram encerrados 1.500 estabelecimentos do 1º ciclo, sem consequências positivas para a maioria das crianças e das localidades e, apesar disso, o Governo vai mandar fechar, em 2007, mais 900 escolas; abastardou-se o perfil profissional e social dos docentes do ensino básico, secundário e superior (este último entregue a um ministério inactivo), associando-lhe uma nefasta política de menorização das professoras e professores portugueses e a proposta do desemprego para muitos.
A reforma da segurança social marcou, também, de forma negativa a actuação do Governo nesta área, na medida em que o acordo firmado na concertação social como suporte para o Governo elaborar a Lei, com a oposição da CGTP-IN, veio reduzir o valor futuro de todas as pensões. Foi ignorada a proposta da CGTP-IN centrada no objectivo de obter outros recursos financeiros para garantir a sustentabilidade do sistema no médio e longo prazo.
UM ANO DE FORTE CONTESTAÇÃO SOCIAL E LUTA COM RESULTADOS PARA OS TRABALHADORES
Perante esta situação, os trabalhadores responderam de forma determinada com um aumento da contestação social às políticas do Governo, de combate à actuação anti-democrática e oportunista de grande parte do patronato, agindo em defesa de legítimos e fundamentais direitos laborais e sociais que são estruturantes da democracia.
Nesse contexto, a CGTP-IN assumiu um papel determinante ao conduzir um conjunto de poderosas lutas sindicais a nível das empresas, dos sectores, das regiões e no plano nacional, com particular relevo para aquelas que se desenvolveram na defesa dos contratos colectivos e pela melhoria dos salários; pelo emprego, contra os despedimentos e a crescente precariedade do trabalho; pelos direitos sindicais e a acção sindical nas empresas; pela defesa das políticas sociais, designadamente nas áreas da segurança social, da saúde e do ensino e educação que, na sua maioria, permitiram alcançar, em muitos casos, de forma total ou parcial, os objectivos de luta prosseguidos pelos trabalhadores.
Ao longo do ano, largas centenas de milhar de trabalhadores estiveram envolvidos nas acções promovidas pela CGTP-IN, mas foram as manifestações de âmbito nacional que melhor expressaram o sentido mais genuíno do protesto dos trabalhadores. Disso é exemplo evidente a grande dimensão das manifestações do 1º de Maio, a mega manifestação realizada em Lisboa, a 12 de Outubro, com mais de 100 mil participantes que exigiram a mudança de políticas, bem como as manifestações em 21 cidades do continente e ilhas em 25 de Novembro, ou ainda as grandes manifestações e greves dos trabalhadores dos diversos sub-sectores da Administração Pública Central e Local.
A par desta acção, a CGTP-IN estabeleceu contactos e reflexões frequentes com os diversos órgãos do poder, com forças políticas, com inúmeras instituições, designadamente a Igreja Católica, com organizações e movimentos sociais, donde resultou, não apenas a sensibilização e apoio às suas propostas, mas também o surgimento de posicionamentos potenciadores de importantes e indispensáveis alianças sociais.
A acção da CGTP-IN, em todos os planos, pautou-se sempre por uma atitude responsável construindo propostas e procurando fazer vingar soluções que, no seu entender, se mostravam possíveis e realistas face ao contexto em que o país vivia, suportando-se sempre em reflexões participadas por activistas sindicais e especialistas nas matérias, como foi o caso dos amplos debates realizados em torno da contratação colectiva e política salarial, da segurança social, da saúde, higiene e segurança do trabalho, das custas judiciais e do apoio judiciário, dos direitos laborais e sindicais, do papel da Inspecção Geral do Trabalho, da igualdade, da formação e qualificação profissionais, da reparação dos acidentes de trabalho.
O acordo sobre o salário mínimo nacional, firmado em 5 de Dezembro, é disso bom exemplo, visto que, embora não satisfeitas em absoluto as propostas da CGTP-IN, aprovou-se o valor de 403 euros para 2007 (aumento de 4,42%, que é importante referencial para a contratação colectiva) e, sobretudo, determinou-se uma trajectória de médio prazo para alcançar 500 euros em 2011 (inscrita no preâmbulo do Decreto Lei que estabelece o SMN para 2007), o que veio responder à reivindicação avançada pela CGTP-IN, desde 2005, de uma nova política para o salário mínimo, também com o objectivo de valorizar toda a política salarial.
Tal procedimento ficou ainda bem expresso na discussão do acordo sobre a reforma da segurança social que, embora não subscrito pela CGTP-IN face à introdução inaceitável do novo “factor de sustentabilidade”, ficou fortemente marcado pelo debate trazido pela Central para a sociedade e pela inclusão na Lei de propostas e sugestões suas, devidamente fundamentadas.
Em sede do Conselho Económico e Social e, em particular, na Comissão Permanente de Concertação Social, a CGTP-IN desenvolveu uma intervenção activa, com posições devidamente fundamentadas, de forma a influenciar as decisões que aí foram tomadas num sentido favorável aos interesses dos trabalhadores e, nesse, quadro assumiu um papel determinante na elaboração e aprovação do acordo de formação profissional, como expressão da consciência daquilo que tem de se mudar nesta área em Portugal, significativamente precedido de uma campanha pela efectivação do direito à formação profissional, lançada pela CGTP-IN, em Janeiro de 2006.
Assinala-se, também, a importância do Protocolo sobre o Sistema de Mediação Laboral, subscrito por todos os parceiros sociais com o Ministério da Justiça que entrou em vigor, a título experimental em várias comarcas, a 19 de Dezembro, e toda a actividade desenvolvida junto do Ministério da Justiça com vista à alteração dos iníquos regimes de custas e de apoio judiciário.
No plano internacional, a CGTP-IN desenvolveu uma significativa actividade. Tendo presente o aumento da emigração e os novos problemas que se colocam aos trabalhadores migrantes no seio da U.E, a CGTP-IN estabeleceu um Protocolo com o TUC-Britânico, no sentido de assegurar o apoio aos emigrantes portugueses no Reino Unido, onde a comunidade portuguesa aumenta exponencialmente. Pelas mesmas razões, firmou um outro Protocolo com a CIG da Galiza e tem pendente a assinatura de um novo com a CUT do Brasil. A nível europeu, a CGTP-IN teve uma intervenção activa na contestação ao conteúdo da directiva sobre os serviços (Directiva Bolkestein), quer através dos debates de âmbito nacional e europeu, quer na manifestação realizada em Estrasburgo, a 14 de Fevereiro, por iniciativa da CES. A CGTP-IN participou nos debates e processos conducentes à criação da Central Sindical Internacional, tendo estado presente no Congresso fundador com o estatuto de observador, desenvolvendo, entretanto na sua estrutura, o debate sobre o movimento sindical internacional, com vista a efectivar a reflexão, no quadro da preparação e realização do 11.º Congresso da CGTP-IN, que terá de se pronunciar sobre o seu estatuto de não filiação no plano mundial.
COM OS SINDICATOS É POSSÍVEL CONSTRUIR UM FUTURO MELHOR
Os resultados da acção sindical comprovam, mais uma vez, a importância e actualidade do sindicalismo como factor indispensável e necessário para valorizar os trabalhadores e dignificar o trabalho, e para o funcionamento de uma sociedade democrática. Não fosse essa acção desenvolvida diariamente pelos dirigentes, delegados e outros activistas sindicais, o avanço na regressão das relações de trabalho teria atingido níveis insustentáveis e a sociedade estaria seguramente menos coesa e solidária, mais injusta, mais precarizada e desumanizada.
Apesar de todas as dificuldades sentidas, 2006 demonstra que os sindicatos e o sindicalismo, com a sua acção, continuarão a ser uma fonte de esperança e de confiança, um importante instrumento dos trabalhadores para a transformação social, para a construção de um futuro melhor com mais progresso e justiça social.
O Conselho Nacional da CGTP-IN
Lisboa, 05 de Janeiro de 2007