Debate sobre Privatizações e deslocalização de empresas

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A Inter-reformados promove no próximo dia 22 de junho, na casa Sindical do Barreiro, entre as 9h30 e as 12h30, um debate sobre "Privatizações e deslocalização de empresas e as Consequências para o país e o direito à reforma".

Participarão neste debate João Silva - sindicalista e ex-coordenador da FIEQUIMETAL e Fernando Sequeira, economista.

IR/CGTP-IN
18//06/2018

 

Intervenção de João Silva

Privatizações e deslocalização de empresas
Consequências para o País e o direito à reforma

O tema deste encontro, “ privatizações e deslocalizações de empresas- consequências para o país e o direito à reforma” faz todo o sentido, sobretudo, num momento em que continuamos perante uma continuada campanha que visa pôr em causa o sistema de segurança social, para abrir caminho aos apetites do grande capital para transformar os seus enormes recursos financeiros numa fonte de lucro e justificar as políticas de sucessivos governos, responsáveis pelas baixas reformas, subsídios e prestações sociais, que estão longe de garantir uma vida digna a milhões reformados.

Basta dizer que a pensão média de velhice atribuída pela segurança social em 2015 se situava nos 434,00€ e a de invalidez em 370,00€, e que mais de 1 milhão e 400 mil reformados recebiam da segurança social uma pensão inferior a 419,00€, abaixo do limiar da pobreza. Apesar desta situação ter sido atenuada após a derrota do Governo Passos Coelho, com o fim dos cortes e o aumento extraordinário das pensões nos últimos 3 anos, muito por acção do PCP no quadro da actual relação de forças no Parlamento, está longe de ser resolvida, devido à opção politica do Governo PS, de continuar a pôr a redução do défice à frente da melhoria das condições de vida dos Portugueses, particularmente dos mais desfavorecidos.

Só com o prosseguimento da luta convergente dos trabalhadores e dos reformados, por uma mais justa distribuição da riqueza e pela defesa do sistema de segurança social, público, universal e solidário, poderemos alcançar melhores salários, reformas, direitos e condições de vida dignas para todos.

Sobre as privatizações

Falar das privatizações e deslocalizações, assim como das reestruturações que levaram ao desmantelamento de sectores de actividade e de grandes empresas com valor estratégico para a economia nacional, é falar de uma componente importante do processo contra revolucionário, impulsionado pelo 1º Governo de Mário Soares, tendo como objectivos o retrocesso das conquistas económicas, sociais, laborais e politicas, alcançadas com o 25 de Abril, a reconstituição do poder dos grandes grupos económicos e financeiros e o enfraquecimento das organizações de classe dos trabalhadores. Processo cujo percurso está intimamente ligado à entrada de Portugal na CEE e posterior integração na União Europeia.

É preciso nunca deixar de ter presente que as nacionalizações e a constituição de um forte sector empresarial do Estado, após o 25 de Abril, resultaram da necessidade de conter a contra-revolução e transformar os sectores estratégicos da economia em alavancas do desenvolvimento económico e social, com vista assegurar as necessidades básicas mais urgentes, dos trabalhadores e das populações, designadamente: melhoria das condições de vida e de trabalho; eliminação da pobreza e das desigualdades; mobilidade das populações; alargamento das redes de electricidade, gás, água, saneamento e telecomunicações; serviços públicos fundamentais, como a saúde, a educação, a informação e a cultura, entre outros.

Ao inverso, as privatizações, cujo processo foi formalmente iniciado com a legislação aprovada pelos governos de Mário Soares em 1977 e 1983 e acelerado a partir da revisão constitucional de 1989, promovida pelo PSD e CDS, com o apoio do PS/Victor Constâncio, que veio eliminar o princípio da irreversibilidade das nacionalizações, apenas levaram a uma maior concentração da riqueza, ao empobrecimento do povo e do país, ao agravamento do desemprego e à degradação dos salários e das reformas.

Assim, entre 1989 e 1992, foram privatizadas pelo Governo de Cavaco Silva, total ou parcialmente, 21 empresas, onde, para além dos principais bancos se incluem a CNP (Companhia Nacional de Petroquímica), Unicer e Centralcer, Siderurgia Nacional, Petrogal, Rodoviária Nacional (entretanto dividida em 22 empresas) Cecil, A Nacional (Companhia Industrial de Transformação de Cereais), Diário de noticias e Jornal de Noticias, a que se juntaram muitas outras, com destaque para a Quimigal, entretanto desmantelada. Processo que prosseguiu e foi intensificado ainda na década de 90 pelo governo Guterres.

Lançando por terra o argumento de que as empresas do sector empresarial do estado eram mal geridas e davam prejuizo, um estudo apresentado pela CGTP-IN demonstrava que “a generalidade do Sector Empresarial do Estado” era amplamente lucrativa e que “apenas três ou quatro empresas industriais dariam prejuízo, para além do sector dos transportes”, cuja função não é a obtenção de lucro mas a de garantir a mobilidade das populações.

Numa tribuna Pública, realizada em 1996, representantes dos trabalhadores das empresas Públicas traçaram o quadro negro das privatizações:

No plano do emprego - 70 mil postos de trabalho destruídos nas empresas industriais e nos transportes, 6 mil liquidados na banca e nos seguros, 7 mil na EDP, 3 mil na TAP e 8 mil na Rodoviária Nacional.

Enquanto esta destruição de emprego prosseguia, entraram na banca 1700 dirigentes e quadros médios; na EDP o número de administradores passou de 7 para 70 e na Cimpor de 5 para 40.

No plano económico – Na Siderurgia foram gastos 200milhões de contos para despedir 5 mil trabalhadores, enquanto as importações de aço passaram de metade das necessidades nacionais para dois terços. O Grupo Mello comprou a Setenave por 5 milhões de contos, depois de ter recebido do Estado 50 milhões a título de apoio ao processo de reestruturação.

A fúria privatizadora manteve-se em todos os governos que se seguiram, progressivamente alargada a serviços públicos, tão importantes para as populações e o país, como os CTT ou o tratamento dos resíduos, com o governo Passos Coelho a chamar a si o abandono definitivo de empresas como a Telecom a TAP e a EDP, entre outras.

Em Novembro de 2014, em mais uma tribuna pública, os representantes dos trabalhadores concluíam que, com as privatizações o País está mais dependente dos grupos económicos e financeiros, os Portugueses pagam mais por piores serviços e que parte significativa dos trabalhadores foi despedida e os que permaneceram trabalham em piores condições e com os direitos ameaçados.

Há bem pouco tempo, Teixeira dos Santos EX- Ministro do Governo Sócrates, afirmava orgulhoso que as privatizações tinham rendido 58 mil milhões de euros e que, ele próprio era responsável por 40%, assumindo assim a grande responsabilidade do PS, aliado ao PSD e o CDS, neste crime económico gravemente lesivo dos interesses nacionais.

Só não disse quanto o Estado perdeu em lucros e impostos que deixou de receber das empresas privatizadas; nem falou dos milhões do erário público que foram entregues à banca falida em resultado da especulação financeira; nem dos prejuízos para o país, por ter entregado as principais alavancas da economia aos grandes grupos económicos; nem quanto saiu de Portugal em dividendos distribuídos aos accionistas estrangeiros e muito menos falou dos prejuízos causados aos trabalhadores e aos reformados.

Sobre as deslocalizações

A par das privatizações, a partir dos anos noventa, mas sobretudo na primeira década deste século, dezenas de milhares de trabalhadores foram confrontados com processos de encerramento e deslocalização, total ou parcial, da produção de várias dezenas de empresas, sobretudo multinacionais, que abandonaram o País, atraídas pelos apoios financeiros proporcionados pelos estados e pela própria EU e pelos baixos salários praticados, à procura da obtenção do lucro fácil e rápido, na lógica pura e dura da exploração capitalista.

Num balanço, ainda que incompleto feito em 2006, foram referenciadas cerca de 60 empresas deslocalizadas, que lançaram no desemprego mais de 50 mil trabalhadores, sobretudo nos sectores têxtil e vestuário, automóvel, material eléctrico e electrónico e alimentar. Muitas destas empresas já tinham sido atraídas para Portugal pela política iniciada pelo Governo Cavaco Silva, com vista a transformar Portugal num país com uma indústria especializada em produções com fraca incorporação tecnológica, baseada em mão de obra intensiva e baixos salários.

Entre as empresas que deslocalizaram a produção estão várias na região de Lisboa e Setúbal, como a VESTUS, a Indelma e a Alcoa no Seixal; a Melka e a Lear em Palmela; a Ford e a Opel na Azambuja; a Euronadel e a ERU em Cascais; a Borealis em Sines, e a Siemens; a Kemet em Évora, entre muitas outras espalhadas pelo País inteiro.

Mais recentemente tiveram impacto público os casos da ex-Impormol e da Triumph, cujos direitos mínimos só foram garantidos depois de uma dura e prolongada luta, desenvolvida pelos trabalhadores.

Muitas destas empresas abandonaram o país, perante a total passividade, mesmo conivência dos governos, sem cumprirem sequer os compromissos assumidos perante o Estado Português, decorrentes dos financiamentos e das benesses que lhes foram concedidos, quando da sua implantação ou em processos de reestruturação entretanto anunciados.

É o caso exemplar da Opel Portugal, que decidiu encerrar a Fábrica e transferir a produção para Saragoça, depois de ter utilizado financiamento do Estado na renovação da linha, quando dispunha de produção garantida para mais 3 anos, dava lucro, tinha altos níveis de produtividade e tinha estabelecido um acordo social com os trabalhadores para os anos seguintes.

Reestruturações e encerramentos de empresas

A pretexto da alienação das participações do Estado em sectores estratégicos para o desenvolvimento do País, como a indústria naval e a metalomecânica pesada, ambos com grande implantação nos distritos de Lisboa e Setúbal, mas tendo por trás o objectivo de enfraquecer a organização dos trabalhadores, restringir os direitos e reduzir os custos do trabalho, sucessivos governos impuseram processos de reestruturação que acabaram por levaram à destruição das empresas e à liquidação de milhares de postos de trabalho com elevado grau de especialização e qualificação.

Nestes dois sectores desapareceram mais de 30 mil postos de trabalho, a maior parte dos quais até ao final dos anos 90. Só na Setenave, Lisnave e empresas associadas, chegaram a empregar cerca de 15 mil trabalhadores, dos quais restam menos de 300 trabalhadores efectivos na Lisnave, a que se Juntam algumas centenas de contratados por empreiteiros e empresas de trabalho temporário.

A estes casos de maior dimensão há a juntar dezenas de milhares de postos de trabalho destruídos em dezenas de estaleiros navais encerrados ou desmantelados, (como é o caso dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo), do sector automóvel (como a Fábrica da Renault), empresas da linha branca, empresas dos sectores corticeiro e têxtil, que tiveram grande presença no distrito de Setúbal, entre muitas outras.

Todos estes processos se enquadram na política de destruição do tecido produtivo nacional da responsabilidade dos vários governos da política de direita, concretizada com particular violência durante os Governos Cavaco Silva e, mais recentemente por Passos Coelho, que é responsável pela vulnerabilidade económica do País .

Consequências destes processos para o País e para as baixas pensões de reforma

Com esta política ao serviço do grande capital, o País perdeu mão-de-obra, em muitos casos altamente qualificada e experimentada; perdeu capacidade de projectar e construir equipamentos de elevada complexidade e incorporação tecnológica, como a construção de navios, turbinas para centrais hídricas e térmicas, carruagens e muitos outros equipamentos que passou a ter de importar; perdeu empresas de referência mundial, com capacidade para competir em diversos pontos do mundo; perdeu alavancas fundamentais para impulsionar uma política de desenvolvimento económico. Perderam os trabalhadores que passaram a ocupar postos de trabalho menos qualificados, com contratos precários, com menos direitos e salários mais baixos.

Em consequência dos processos de privatização, deslocalização restruturação de empresas, o sistema de segurança social foi duplamente atingido, porque não só deixou de receber a contribuição dos trabalhadores despedidos, como teve de assegurar o subsídio de desemprego a centenas de milhares de trabalhadores que poderiam estar a trabalhar e a contribuir.

Isto, para além das situações em que os trabalhadores saíram das empresas directamente para reformas antecipadas, através de acordos patrocinados pelos próprios governos e, muitos outros, que foram empurrados para o despedimento sem a indeminização a que teriam direito, a troco da justificação para a entrada no fundo de desemprego. Tanto uma como a outra situação configuram situações de financiamento indirecto do patronato, garantindo o despedimento à custa dos dinheiros da Segurança social, com prejuízo para os trabalhadores e o próprio Estado.

Significativos são ainda os casos em que as empresas multinacionais abandonam o País deixando para trás milhares de trabalhadores com doenças profissionais, muitas vezes incapacitantes, sem a devida reparação, deixando para a segurança social substituição do rendimento do trabalho.

Hipocritamente, os vários governos que, directa ou indirectamente, são responsáveis pelos processos que contribuem para a descapitalização da segurança social; que desviam receitas do sistema para financiar o patronato através da redução e mesmo isenção da sua contribuição; que nada fazem para cobrar as dívidas do patronato à segurança social, que em 2015 era já superior a 12 mil milhões de euros; que promovem e praticam a política de baixos salários; não têm pejo em utilizar o argumento da falta de sustentabilidade do sistema, para justificarem os cortes nas reformas e nos subsídios, congelarem os aumentos durante anos a fio e imporem medidas cada vez mais restritivas no acesso à reforma que a não serem revertidas levariam a uma redução inaceitável do seu valor.

Tudo isto são razões mais do que suficientes para prosseguir a luta,

  • Pelo aumento das reformas, com vista a garantirem condições de vida condignas,
  • Pela reposição da idade da reforma aos 65 anos com 40 de contribuições
  • Pelo direito à habitação e à mobilidade,
  • Pelo fim das taxas moderadoras,
  • Pelo direito ao acesso a serviços públicos de qualidade,
  • Pela defesa do emprego, dos salários e dos direitos,
  • Por uma sociedade baseada no progresso, na solidariedade e na justiça social.

Barreiro, 22, Junho, 2018
João Silva