APRECIAÇÃO DA CGTP-IN
ANTEPROJECTO DO PLANO PARA A INTEGRAÇÃO DOS IMIGRANTES
APRECIAÇÃO DA CGTP-IN
Introdução
Em primeiro lugar, não podemos deixar de observar que a maior parte das medidas e acções previstas neste Plano para a Integração dos Imigrantes têm um carácter demasiado genérico e abstracto, não permitindo em muitos casos descortinar o modo como se concretizarão na prática. De facto, elaborar um Plano credível, efectivo e inclusivo, e não um simples somatório de políticas avulsas ou meramente uma operação publicitária, é necessário concretizar as medidas políticas e os meios materiais e financeiros atribuídos à sua aplicação.
Por outro lado, verifica-se também uma excessiva preocupação com a criação de medidas específicas para os imigrantes a todos os níveis, ou seja há a constante preocupação de criar instrumentos e procedimentos especiais destinados aos imigrantes em áreas em que, sendo os direitos dos cidadãos imigrantes, por imperativo constitucional, exactamente iguais aos dos cidadãos nacionais, o único cuidado necessário é garantir que não haja qualquer tipo de discriminação em função da raça, nacionalidade ou da qualidade de imigrante.
Em nosso entender, devem ser tomadas medidas e desenvolvidas acções no sentido de permitir e/ou facilitar o acesso dos imigrantes a todos os bens e serviços sem qualquer discriminação, mas sempre no pressuposto de que os direitos e deveres dos cidadãos imigrantes são idênticos aos dos cidadãos nacionais, nos termos previstos no artigo 15º da nossa Constituição, sempre sem prejuízo do respeito pelas diferenças resultantes das tradições culturais e das convicções religiosas.
Em segundo lugar, consideramos preocupante que, no âmbito de um Plano como este, não haja uma palavra para os imigrantes em situação irregular. Com efeito, é do conhecimento geral que o nosso país abriga um número indeterminado, mas consabidamente vasto, de imigrantes em situação não regularizada, cujos direitos e necessidades não podem e não devem ser pura e simplesmente ignorados. Embora reconhecendo que a generalidade das medidas e acções preconizadas devem ser dirigidas aos imigrantes legais, entendemos que, pelo menos em nome do respeito pela dignidade humana, algumas deverão igualmente ter como alvo os imigrantes não legalizados.
Apesar destas objecções, a CGTP-IN considera que estamos perante um Plano ambicioso, abrangente e completo, que acolhe algumas ideias bastante positivas sobre a integração dos imigrantes na sociedade portuguesa e as medidas a implementar e desenvolver para alcançar tal objectivo.
Assim, pode considerar-se que a elaboração deste Anteprojecto constitui, só por si, um sinal de que existe efectivamente alguma vontade de imprimir uma orientação diferente às políticas de imigração em Portugal e de actuar nesse sentido.
Na especialidade
Trabalho, emprego e formação profissional
· Formação específica dos quadros dos centros de emprego
Não é muito claro se esta medida pretende dar resposta a alguma forma de discriminação que acontece dentro dos próprios centros de emprego ou se tem alcance mais vasto e visa combater a discriminação no mercado laboral. Neste último caso, seria manifestamente insuficiente.
De qualquer forma, todas as acções deverão ter como pressuposto o respeito pelo princípio da igualdade de tratamento e da igualdade de oportunidades entre trabalhadores imigrantes e trabalhadores nacionais.
· Campanha sobre a segurança no trabalho
Os direitos e deveres dos trabalhadores imigrantes em matéria de segurança e saúde no trabalho não são diferentes dos que assistem aos trabalhadores nacionais e, como tal, não se vê necessidade de lançar campanhas específicas; será bastante que, nas campanhas de sensibilização dos trabalhadores em geral para esta problemática, se incluam versões nas línguas consideradas necessárias e adequadas.
· Reforço da actividade inspectiva
A fiscalização das condições de trabalho deve competir à IGT; a intervenção do SEF neste âmbito não deve conduzir à penalização dos trabalhadores, maxime à sua expulsão, mas deve centrar-se no combate à criminalidade, designadamente a criminalidade organizada.
· Incentivo ao cumprimento das obrigações de segurança social e fiscais
A campanha prevista deve ter em consideração que, em matéria de segurança social, os principais infractores não são os imigrantes mas sim as suas entidades patronais, na medida em que estas têm a obrigação de proceder à inscrição na segurança social de todos os trabalhadores admitidos ao seu serviço. Assim sendo, os esforços devem centrar-se na sensibilização dos empregadores e o combate à não integração dos imigrantes nos regimes obrigatórios e à evasão contributiva deve ser articulado com o combate à utilização ilegal de mão-de-obra imigrante. Além disso, é necessário responsabilizar e sancionar de modo eficaz as empresas incumpridoras.
· Incentivo à participação sindical dos imigrantes
Sem prejuízo de concordarmos com a importância da intervenção sindical e da participação dos imigrantes nos sindicatos – que aliás a CGTP-IN sempre promoveu e incentivou, este tipo de acção compete exclusivamente às associações sindicais e nunca ao Estado, sob pena de ingerência indevida na actividade sindical.
Em nosso entender, esta questão da participação sindical deveria ser previamente discutida com as organizações sindicais.
Por outro lado, a importância da participação sindical para uma melhor integração dos imigrantes deve ser especialmente salientada, na medida em que contribui também para o desenvolvimento de uma consciência profissional mais forte.
· Incentivo ao empreendedorismo empresarial dos imigrantes
Em primeiro lugar, não compreendemos quais as barreiras legais colocadas aos trabalhadores por conta própria que é necessário reduzir.
Por outro lado, é difícil de configurar o alcance deste apelo ao empreendedorismo empresarial dos imigrantes, tendo em conta o regime de vistos e de títulos de permanência/residência em vigor, bem como o previsto no projecto da nova lei da imigração, que distinguem claramente os títulos a conceder aos trabalhadores por conta de outrem e aos trabalhadores por conta própria estabelecendo diferentes condições para cada um deles.
Habitação
Nesta matéria as várias medidas e acções propostas devem partir do pressuposto de que ao Estado compete garantir que os cidadãos imigrantes não são discriminados no acesso à habitação.
As várias medidas propostas, designadamente no que respeita à Habitação social, devem reflectir claramente uma política que contrarie a criação de guetos.
· No ponto 13 propomos a eliminação da palavra «razoáveis», na medida em que há uma certa contradição – o que é razoável pode não cobrir tudo o que é necessário;
· Sensibilização do sistema bancário para maior abertura ao acesso dos imigrantes ao crédito – em nosso entender, a criação de produtos bancários específicos que disponibilizem aos imigrantes soluções para a compra de casa não é o caminho certo, porque o que é necessário é garantir que os cidadãos imigrantes não são alvo de discriminação no acesso ao crédito bancário comum pelo simples facto de serem imigrantes.
Saúde
Independentemente de, em relação à saúde, poder eventualmente verificar-se a necessidade de ter em consideração determinados aspectos específicos de ordem social e cultural inerentes a determinadas comunidades imigrantes e de se ter igualmente presente o problema da língua (sendo de considerar a possibilidade de os serviços de saúde recorrerem a tradutores sempre que necessário), parece-nos que também aqui o aspecto mais importante é assegurar o acesso de todos os imigrantes, independentemente do seu estatuto, ao SNS em condições de plena igualdade com os cidadãos nacionais.
Educação
Também nesta área consideramos que o fundamental é garantir o acesso dos imigrantes e dos seus filhos ao sistema de ensino em condições de igualdade, assegurando que a condição de imigrante não constitui em si um entrave a este acesso. Sem prejuízo da eventual consideração de alguns aspectos específicos, nomeadamente relacionados com a aprendizagem da língua e a cultura própria, não deve haver nenhuma tentativa de diferenciar os filhos de imigrantes dos restantes alunos, pois os direitos e deveres devem ser iguais para todos.
· Formação para a interculturalidade deve abranger não só o pessoal docente, mas também o pessoal não docente.
· Revisão dos critérios da rede escolar para garantir uma composição de turmas equilibrada – a composição étnica das turmas não deve funcionar como critério para a respectiva constituição, pois um tal critério seria obviamente discriminatório. As crianças e jovens devem ser distribuídos e colocados nas turmas de acordo com critérios pedagógicos objectivos e não devem ser utilizados quaisquer critérios que, por qualquer forma, considerem a raça, a nacionalidade, o território de origem, a religião ou qualquer outro factor individual.
Por outro lado, consideramos que, como a organização habitacional existente tende a congregar nos mesmos bairros grande número de imigrantes, as escolas que servem estes bairros devem ser objecto de uma intervenção especifica e activa por parte do Ministério da Educação, a fim de proporcionar melhores condições de trabalho e de estudo a todos, contribuindo para a resolução de alguns dos problemas que a própria concentração habitacional provoca. Exemplos de intervenções possíveis seriam a redução do número de alunos por turma, aumento do pessoal docente e não docente, criação de serviços de psicologia e reforço da acção social escolar.
Justiça
· Apoio no acesso à justiça
O acesso ao apoio judiciário por parte dos cidadãos imigrantes deve processar-se em condições de igualdade com os cidadãos nacionais, assegurando-se que não existem discriminações em função da raça, nacionalidade ou condição de imigrante. A qualidade das defesas oficiosas é a mesma que deve ser exigida para todos os cidadãos, nacionais ou estrangeiros.
· Agilização do trabalho na área de Registos e Notariado – sugerimos que se inclua aqui uma referência à desburocratização e facilitação dos processos referentes à naturalização de cidadãos estrangeiros no âmbito da nova lei da Nacionalidade.
Media
As medidas preconizadas neste capítulo vão no sentido do exercício de um certo controlo sobre os conteúdos dos meios de comunicação social através da actuação de um instituto público (o ICS), que nos parece perigosamente próxima de uma tentativa de restrição da liberdade de imprensa.
Sem prejuízo de reconhecermos que por vezes os meios de comunicação não tratam da forma mais adequada a problemática da imigração, consideramos que tudo o que exceda a forma de um apelo à ética e à deontologia profissional dos jornalistas e das empresas de comunicação social é inaceitável.
Questões de género
Consideramos que a referência deve ser o combate à discriminação das mulheres imigrantes, e não à sua vulnerabilidade como consta do texto do Plano, alterando em conformidade o texto do ponto 115 – é a discriminação de que as mulheres imigrantes são alvo nesta dupla qualidade que provoca a situação de especial vulnerabilidade e fragilidade social em que se encontram e que implica a necessidade, não só da criação de um título de residência estável independente dos mecanismos de reagrupamento familiar, mas também o accionamento de meios especiais de protecção social para cobrir estas situações.
Tráfico de seres humanos
Em nosso entender a prioridade absoluta neste domínio deve ser dada ao desenvolvimento de estratégias eficazes de combate ao tráfico de pessoas – assim sendo, sugerimos que a medida enunciada no ponto 123 seja a primeira deste título, seguindo-se-lhe os outros pontos pela ordem actual.