Pela segurança e a saúde exige-se actos firmes

Dia SSTNo Dia Mundial da Segurança e Saúde no Trabalho e Dia Nacional da Prevenção e Segurança no Trabalho, a Fiequimetal salienta que já deveria estar reconhecido o Representante dos Trabalhadores para a Segurança e Saúde no Trabalho como o agente mais relevante para o sucesso de qualquer política, estratégia ou programa de prevenção.

Num comunicado aos trabalhadores, em distribuição a partir de hoje, a federação destaca a necessidade de «defender com actos firmes a saúde, os salários, o emprego e os direitos».

A propósito de uma quase geral recusa de consulta aos Representantes dos Trabalhadores (RT) para a SST, por parte do patronato, chama-se a atenção para o caso mais recente: os planos de contingência ligados à COVID-19. Que se saiba, em nenhuma empresa foram consultados os RT para a SST. Mas todas as empresas o deveriam ter feito, quer por obrigação legal, quer por determinação específica da Direcção-Geral da Saúde.

Ver também
- Comunicado da Fiequimetal sobre o 28 de Abril (ficheiro pdf)

Comunicado aos trabalhadores das Indústrias Metalúrgicas, Químicas, Eléctricas,
Farmacêutica, Celulose, Papel, Gráfica, Imprensa, Energia e Minas

28 de Abril – Dia Mundial da Segurança e Saúde no Trabalho
e Dia Nacional da Prevenção e Segurança no Trabalho

Defender com actos firmes
a saúde, os salários, o emprego e os direitos

A 28 de Abril de cada ano, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) assinala o Dia Mundial da Segurança e Saúde no Trabalho. As autoridades nacionais, na mesma data, têm assinalado o Dia Nacional da Prevenção e Segurança no Trabalho. Os trabalhadores e as suas organizações de classe não deixam passar em claro este dia.

Ainda não é possível fazer, a nível nacional e internacional, um balanço global da pandemia de COVID-19 e dos seus previsíveis impactos, mas há reflexões que já podem ser desenvolvidas, com vista a que se aprenda com uma situação que afecta, em particular, os trabalhadores e as camadas mais vulneráveis da sociedade. Aprender significará adquirirmos novos comportamentos ou melhorarmos os já existentes, seja ao nível individual seja ao nível colectivo.

Uma das conclusões que podemos retirar é a de que não estamos todos «no mesmo barco», ao contrário do que alguns pretendem fazer crer. Nesta pandemia existe uma diferença substancial entre o capital e os trabalhadores.

Basta verificar o monumental apoio público dado às multinacionais e o ataque feito aos rendimentos dos trabalhadores, com o recurso ao lay-off simplificado, os despedimentos e o desprezo pelas condições de trabalho, em especial as ligadas à saúde dos trabalhadores.

Não menos relevante é a ausência de apoio e de estratégia para apoio às pequenas e microempresas e para a salvaguarda do mercado interno, matéria absolutamente estruturante para o País.

Esta situação vem colocar em evidência que o modelo de produção capitalista não assegura o bem-estar do ser humano, antes o relega para segundo plano.

Na tentativa de dar coerência ao modelo capitalista, recorrem ao conceito de «crise» para explicar as derivas, cada vez mais frequentes e profundas, que se vão verificando a ritmos totalmente aleatórios e aos quais vão dando o nome de «ciclos». Na prática, esses ciclos têm agravado a concentração da riqueza mundial, que é cada vez maior mas pertence a um número de indivíduos cada vez menor.

Sinistralidade laboral – números e interrogações

Importa nesta ocasião recordar alguns números ligados à sinistralidade laboral mundial, divulgados pela OIT:
• 15 acidentes de trabalho por segundo;
• 2,3 milhões de trabalhadores mortos por ano em acidentes de trabalho;
• 313 milhões de trabalhadores feridos por ano em acidentes de trabalho;
• 2,78 milhões trabalhadores mortos por ano, devido a doenças relacionadas com o trabalho.

Em Portugal, os dados da ACT indicam que, em 2018, houve 508 acidentes graves e 157 acidentes mortais. A OIT estima que haja, em média, cerca de 3500 trabalhadores que morrem anualmente de doenças relacionadas com o trabalho.

Duas perguntas sobressaem da crueza destes números.

1 – Porque foi que o nosso Governo e a comunidade nacional e internacional não se mobilizaram ainda, como se estão a mobilizar para fazer face à pandemia de COVID-19, para esta realidade aterradora (acidentes e doenças profissionais), que é constante todos os anos e não excepcional?

2 – Se, para combater a pandemia actual, foram tomadas medidas, porque não ocorre o mesmo quando tratamos os acidentes de trabalho e as doenças profissionais?

Em traços gerais, a resposta poderá ser esta: o actual modelo económico, ancorado de forma cega na competitividade e no lucro, tem como resultado o não investimento na prevenção, e este é um dos traços da exploração.

A necessidade de produzir em maior volume e mais barato do que a concorrência deixa para segundo plano a maioria dos aspectos ligados à humanização do trabalho, ignorando que são pessoas que o realizam.

Qual tem sido a resposta da União Europeia à «pandemia»
dos acidentes e doenças relacionadas com o trabalho?

Em Junho, completam-se 31 anos desde a aprovação, pelo então Conselho das Comunidades Europeias, da Directiva CEE/89/391. Esta, ainda hoje, é a directiva-quadro que regula o Direito dos diferentes estados da UE no que concerne à Segurança e Saúde no Trabalho (SST).

A importância desta directiva prende-se com o seu objecto (a segurança e a saúde dos trabalhadores), com a sua oportunidade (o número de acidentes e de doenças laborais continua elevadíssimo) e com a necessidade de alterar significativamente as políticas e as estratégias preventivas em matéria de SST.

De entre os muitos impactos que a Directiva CEE/89/391 desencadeou na legislação europeia, devem ser salientados três:

• O 1.º foi a atribuição inequívoca da responsabilidade à entidade patronal, relativamente a tudo o que respeita ao trabalho: «A entidade patronal é obrigada a assegurar a segurança e a saúde dos trabalhadores em todos os aspectos relacionados com o trabalho», afirma-se no n.º 1 do artigo 5.º;

• O 2.º refere-se à obrigatoriedade da existência de serviços de SST internos ou contratados (artigo 7.º);

• O 3.º estabelece, para a entidade patronal, a obrigação de informar e de consultar os trabalhadores e seus representantes para a SST relativamente às questões relacionadas com a SST (artigo 11.º). Para tal, a directiva criou a figura do Representante dos Trabalhadores para a Segurança e Saúde no Trabalho.

E qual a resposta nacional ao actual quadro
de acidentes e doenças relacionadas com o trabalho?

Embora tenham decorrido 31 anos desde a aprovação desta directiva comunitária e 29 anos desde a sua transposição para o Direito nacional, o facto é que, em Portugal:

– ainda estamos muito longe de ter o número suficiente de Representantes dos Trabalhadores (RT) eleitos, quer no sector privado quer no público;

– na esmagadora maioria das empresas onde os RT já foram eleitos não são cumpridas as normas legais decorrentes da directiva-quadro e que, actualmente, estão inscritas na Lei n.º 102/2009, nomeadamente no que concerne aos direitos de informação e de consulta.

O evidente atraso de Portugal na aplicação dos princípios fundamentais da directiva-quadro manifesta-se das formas mais diversas. Referimos algumas das situações mais frequentes nos sectores do âmbito sindical da Fiequimetal.

Tornou-se «habitual» responsáveis das empresas, após acidentes muito graves, prestarem declarações aos media sustentando que «a empresa cumpre com todas as normas de segurança», o que, à luz da legislação, em nada diminui a responsabilidade da empresa face à ocorrência em causa.

Verifica-se uma quase geral recusa de consulta aos RT para a SST por parte do patronato, seja este privado ou público, com vista à obtenção dos pareceres sobre matérias relacionadas com a SST. A consulta é obrigatória, em conformidade com o n.º 1 do artigo 18.º da Lei n.º 102/2009, revista pela Lei n.º 3/2014, e o seu desrespeito é sancionável como contra-ordenação muito grave (n.º 9 do mesmo artigo).

Olhe-se o caso mais recente: sobre os planos de contingência ligados à COVID-19, que se saiba, em nenhuma empresa foram consultados os RT para a SST. Mas todas as empresas o deveriam ter feito, em conformidade com o ponto 5 do documento de orientação da Direcção-Geral da Saúde, que determina: «As empresas devem ter um Plano de Contingência específico para responder a um cenário de epidemia pelo novo coronavírus. A elaboração deste Plano deve envolver os Serviços de SST da empresa, os trabalhadores e seus representantes».

No Anexo D do Relatório Único anual, cada empresa deve indicar o número de consultas efectuadas aos RT para a SST. Ora, no âmbito do artigo 18.º da Lei n.º 102/2009, algumas empresas emitem para os RT, como pedido de parecer, uma cópia integral, ou quase, das 12 alíneas do n.º 1 daquele artigo, simulando assim um pedido de parecer em abstracto que, na verdade, não aconteceu, porque tal procedimento não corresponde, de forma alguma, ao espírito e aos objectivos da lei-quadro nacional para a SST.

Os órgãos de gestão das empresas recusam-se sistematicamente a participar nas reuniões mensais com os RT para a SST, em clara violação grave do disposto no n.º 1 do artigo 25.º da Lei n.º 102/2009 (pelo menos uma vez por mês). Isto é um boicote ao direito que os RT para a SST têm de reunir com o órgão de gestão da empresa e uma clara tentativa de minimização da sua missão preventiva, prevista na lei.

Lamentavelmente, à pergunta «qual a resposta nacional» ao quadro arrasador de sinistralidade laboral e de doenças relacionadas com o trabalho só se pode responder: «inexistente».

O Representante dos Trabalhadores para a SST
é o elemento estratégico mais relevante para a prevenção
de acidentes e doenças nos locais de trabalho!

De facto, para além de ser um agente de prevenção, através da sua acção fiscalizadora, o RT para a SST é também, no que concerne à aplicação das normas e disposições legais em vigor, um agente reivindicativo junto das entidades empregadoras e junto das entidades fiscalizadoras. Umas e outras deverão ver o RT não como um elemento perturbador, mas sim como um elemento fundamental para a prevenção de acidentes e doenças laborais, com o qual deverão comunicar de forma permanente e eficaz, aliás como está no espírito da lei.

Os responsáveis dos órgãos de gestão das empresas, em particular, só terão a ganhar com RT para a SST que consigam despistar situações que, com maior ou menor probabilidade, possam ocasionar acidentes ou doenças cuja responsabilidade a directiva-quadro atribui, em primeira linha, a esses mesmos responsáveis (n.º 1 do artigo 5.º).

No processo preventivo, o Representante dos Trabalhadores para a SST deverá ser entendido como aquele que mais se destaca, em termos de importância relativa.
Vejamos os principais agentes interventivos, nomeadamente:

• Os trabalhadores e os RT para a SST;
• O órgão de gestão da entidade empregadora;
• Os técnicos e técnicos superiores de SST, internos ou externos;
• Os médicos e enfermeiros de trabalho, internos ou externos;
• O representante do empregador;
• Os trabalhadores encarregados de pôr em prática as medidas de primeiros-socorros, de combate a incêndio e de evacuação;
• Os técnicos das entidades inspectivas oficiais.

Quando comparados entre si, em termos de relevância para o processo preventivo ligado à SST, facilmente se constata que os primeiros, pelo facto de serem o objecto (objectivo) da prevenção e, em simultâneo, os seus principais agentes operacionais, deverão ser entendidos como agentes-chave ou estratégicos para que qualquer política de prevenção possa obter resultados positivos, isto é, eficazes e eficientes. Essa relevância nunca foi reconhecida pela grande maioria das empresas nem, pasme-se, pelos organismos estatais em geral e pelas tutelas que intervêm na SST.

Os direitos dos trabalhadores à vida e à saúde reclamam a aplicação rápida das disposições legais em vigor.

No Dia Mundial da Segurança e Saúde no Trabalho e Dia Nacional da Prevenção e Segurança no Trabalho, a Fiequimetal deixa aqui outras perguntas, para reflexão sobre o actual contexto da SST em Portugal:

• Nos últimos anos, o que realizou a ACT como actuação preventiva nas empresas, em particular na persecução dos sete objectivos estratégicos previstos no Quadro estratégico da UE para a Saúde e Segurança no Trabalho (2014-2020)?

• Porque nunca foi dada qualquer relevância especial ao RT para a SST, nas ferramentas de planeamento estratégico da ACT sobre prevenção?

• Quem teme a acção fiscalizadora dos RT para a SST nas empresas? E porquê?

Acreditamos que, mais de 30 anos após a aprovação da directiva-quadro, já deveria estar reconhecido o Representante dos Trabalhadores para a SST como o agente mais relevante para o sucesso de qualquer política, estratégia ou programa de prevenção. Também neste caso, vale mais tarde que nunca. Impõe-se, para benefício dos trabalhadores, das empresas e do Estado, que diminua claramente o número de doenças e de acidentes relacionados com o trabalho.

Para tal, existe base jurídica, embora, globalmente não seja cumprida. Falta uma profunda mudança da prática de empresas e serviços, que possa sustentar alterações significativas em matéria de prevenção. Essa mudança nunca poderá ser realizada sem os trabalhadores e os seus representantes. Sem eles não faz sentido haver SST. Sem eles não poderá haver SST.

Continuaremos empenhados na eleição e formação dos Representantes dos Trabalhadores para a SST.

Juntamente com os RT para a SST, continuaremos a reivindicar lugares de trabalho mais seguros e mais saudáveis!

FONTE: FIEQUIMETAL