Durante o corrente mês o Sindicato da Hotelaria do Norte fez acções de porta-a-porta nas principais cidades dos cinco distritos da região Norte, em centenas de estabelecimentos e, concluiu, que a esmagadora maioria das empresas não está a cumprir o CCT em vigor, no que toca aos valores da nova tabela salarial, cujo aumento médio é de 8,8%, e às atualizações das demais cláusulas pecuniárias, designadamente subsídio de alimentação, prémio de línguas, diuturnidades e abono para falhas. Foi solicitada a intervenção da ACT nos vários distritos para obrigar o patronato a cumprir o CCT, informou hoje o sindicato em Conferência de Imprensa.
São os horários imprevisíveis e infindáveis, razões às quais podemos adicionar os ritmos de trabalho intensos, a precariedade dos vínculos laborais, o trabalho ilegal e clandestino, o trabalho não declarado, os baixos salários praticados e a exposição involuntária ao fumo do tabaco que levam à fuga dos trabalhadores do setor e à existência de dificuldades de contratação de novos trabalhadores, considera o sindicato.
Na íntegra, texto distribuído hoje aos jornalistas, na Conferência de Imprensa, é o seguinte:
Comunicado n.º 57/2018
OS TRABALHADORES DA HOTELARIA E RESTAURAÇÃO NÃO TÊM TEMPO PARA VIVER E RECEBEM SALÁRIOS BAIXOS, E É POR ISSO QUE ESCASSEIA A MÃO-DE-OBRA NO SETOR
Incumprimento do CCT
Em primeiro lugar devemos dizer que o sindicato fez durante o corrente mês ações de porta-a-porta nas principais cidade dos cinco distritos da região Norte, em centenas de estabelecimentos e, concluiu, que a esmagadora maioria das empresas não está a cumprir o CCT em vigor, que foi publicado no BTE n.º 23 de 22 de junho de 2018, com Portaria de Extensão publicada no DR n.º 144, de 27 de julho de 2018, com efeitos a 1 de abril, no que toca aos valores da nova tabela salarial, cujo aumento médio é de 8,8%, e às atualizações das demais cláusulas pecuniárias, designadamente subsídio de alimentação, prémio de línguas, diuturnidades e abono para falhas. Foi solicitada a intervenção da ACT nos vários distritos para obrigar o patronato a cumprir o CCT.
Falta de mão-de-obra
As associações patronais em particular e as empresas do setor turístico em geral, têm vindo a reclamar que há falta de mão-de-obra no setor, que são necessários de imediato 40 mil trabalhadores, que os trabalhadores não querem trabalhar no setor, que há investimentos turísticos que estão a ser travados por falta de mão-de-obra, exigindo medidas especiais para canalizar trabalhadores para o setor.
Contudo, o turismo, nas suas várias vertentes, as profissões e categorias do setor, designadamente gestão hoteleira, receção/atendimento, cozinha, pastelaria, mesa, bar e andares, têm tido muita procura por parte de trabalhadores à procura do primeiro emprego e desempregados de longa duração, que apostam a sua carreira no turismo e a prova disso é o facto de as turmas das escolas hoteleiras geridas pelo Turismo de Portugal estarem sempre lotadas e o Turismo de Portugal ter de encaminhar formandos para as universidades e escolas superiores privadas com cursos de turismo. Também têm muita procura as ações de formação para a atividade do turismo ministradas pelo IEFP, bem como a formação de adultos dada pelo Ministério de Educação e as escolas profissionais, num total que ultrapassa os 10 mil formandos por ano. Por isso, não se pode dizer que não há quem queira trabalhar no turismo e até se pode dizer que há muito interesse em trabalhar no turismo e que até se paga muito para ter um curso na área do turismo, já que as propinas pagas nas escolas hoteleiras geridas pelo Turismo de Portugal e nas privadas são muito caras, indo de 100 a mais de 200 euros mensais.
Também não se pode dizer que há falta de trabalhadores. Ainda recentemente um hotel da cidade do Porto pediu ao sindicato que lhe arranjasse 2 trabalhadores para a secção de andares e no dia seguinte tinha dois trabalhadores prontos a trabalhar. Por outro lado, o Hotel Carris Porto fez um despedimento coletivo em dezembro de 2017 das trabalhadoras de andares e, decorridos 8 meses, ainda há trabalhadoras desempregadas, ou seja, há profissionais qualificados no desemprego.
A aposta do patronato nos baixos salários, horários desregulamentados, imprevisíveis e infindáveis, ritmos de trabalho intensos e o não cumprimento dos direitos contratuais tem de ser alterada.
Os verdadeiros problemas que levam à não fixação e à fuga dos trabalhadores, bem como à grande rotação de mão-de-obra existente, que aliás põe em causa, não só a qualidade do emprego, mas também a qualidade de serviço, são:
Horários imprevisíveis
As empresas de hotelaria, restauração e bebidas não elaboram os horários de trabalho em conformidade com a Lei e a contratação coletiva.
O patronato elabora os horários à semana e até altera os horários de um dia para o outro, muitas vezes telefonicamente, sem o acordo dos trabalhadores e sem consulta aos delegados sindicais, não fundamenta o motivo da alteração, como a Lei e a contratação coletiva obrigam. Os trabalhadores nunca sabem se em dado dia estão a trabalhar de manhã, de tarde ou à noite, ou se estão de folga.
Ora, com horários destes, os trabalhadores não conseguem organizar a sua vida pessoal e familiar, que é aliás um direito legal e constitucional, artigo 212.º do CT e artigo 59.º da CRP.
Os horários podem ser fixos ou rotativos, mas têm de ser previsíveis, os trabalhadores têm de saber com toda a antecedência necessária se estão a trabalhar ou não em dado dia.
Admite-se que haja necessidades de força maior para alterar um horário, mas a regra tem de ser a previsibilidade.
A Lei e a contratação coletiva proíbem a alteração dos horários acordados individualmente e os que não são acordados individualmente só podem ser alterados nos casos de necessidade imperiosa de alteração do horário de funcionamento do estabelecimento ou reformulação dos horários da secção, devidamente fundamentados, por escrito e com consulta prévia.
Horários infindáveis e ritmos intensos
Os trabalhadores na restauração e bebidas têm hora certa para entrar ao serviço, mas não têm hora certa para sair, saem quando “deus quiser”.
Raras são as empresas de restauração e bebidas que cumprem com o regime legal máximo de 8 horas diárias e 40 horas semanais.
Os trabalhadores, regra geral, fazem mais que as 8 horas diárias e há trabalhadores a cumprirem horários de 10, 12 e até 14 horas diárias, e não é apenas em caso de eventos, é todos os dias da semana.
Além disso, os ritmos de trabalho na restauração e bebidas são muito intensos, falta pessoal nas secções, os trabalhadores veem-se obrigados a despachar tudo à força, muitas vezes não garantindo a qualidade de serviço e pondo em causa a sua saúde.
A esmagadora maioria dos trabalhadores tem apenas um dia de descanso semanal, quando, em geral, a contratação coletiva obriga a dia e meio, no mínimo, ou dois dias seguidos.
Estas condições de trabalho são violentas, para além de porem em causa a conciliação da atividade profissional com a vida pessoal e familiar, poem em causa a saúde e segurança no trabalho.
Trabalho ilegal e clandestino, trabalho não declarado, precariedade, trabalho temporário e outsourcing
O trabalho ilegal e clandestino, ou informal como alguns lhes chamam, assume uma parcela importante do trabalho, em particular, na restauração e bebidas.
Num importante levantamento feito pelo sindicato que abrangeu 320 empresas, onde trabalham 3.936 trabalhadores, demonstra que o patronato não faz descontos para a segurança social a 1.298 trabalhadores (33%), deixando, por isso, estes trabalhadores durante meses, por vezes mais de um ano, sem qualquer proteção em caso de doença, desemprego ou reforma.
Outro problema grave na restauração e bebidas é a existência do trabalho remunerado que não é declarado, que por vezes assume uma parcela superior ao trabalho declarado.
Muitas empresas pagam uma parcela do salário mensal no recibo e outra parcela, por vezes significativa, por fora do recibo. Há zonas ou concelhos onde esta prática tornou-se comum e é assumida pelo patronato como normal, como é o caso de Matosinhos, onde praticamente todos os restaurantes pagam uma parte do salário por fora do recibo mensal. Em Matosinhos, os trabalhadores auferem um salário líquido de 800/850 euros, o que corresponde a um salário bruto superior a mil euros, mas fazem descontos por apenas 600 euros.
No setor do alojamento há muito menos trabalho clandestino e trabalho não declarado, embora se verifique algumas situações nos pequenos e médios estabelecimentos, situação que se agravou com a entrada das empresas de trabalho temporário e outsourcing.
Esta situação é inaceitável, pois não há nenhuma razão para as empresas não procederem aos descontos para a segurança social dos seus trabalhadores e, por isso, esta prática deveria ser considerada como um crime por Lei, para reduzir ou eliminar esta chaga social, que configura também uma prática de fuga e evasão fiscal.
Também a precariedade dos vínculos laborais, o recurso sistemático ao trabalho a termo, ao trabalho temporário e a empresas prestadores de serviços têm agravado, e muito, a precariedade do emprego no e a qualidade de serviço no alojamento.
Baixos salários
O bloqueamento da contratação coletiva durante o período da troika e mesmo antes e depois deste, baixou enormemente os salários no setor e levou muitos trabalhadores a receberem apenas o Salário Mínimo Nacional, quando antes o salário mínimo no setor era 12% acima do SMN (485€/542€).
Quando hoje estamos a negociar salários, debatemo-nos com grande oposição do patronato, que recusa a reposição do poder de compra perdido com a inflação nos anos de bloqueamento salarial, que vão de 7 a 13 anos consecutivos. O patronato nem quer ouvir falar na reposição dos salários e direitos retirados aos trabalhadores no tempo da troika.
Clima de impunidade
O clima de impunidade geral que se vive no setor, com o patronato a fazer tábua rasa da contratação coletiva e a não respeitar minimamente os direitos dos trabalhadores, designadamente no que toca aos horários, tabela salarial, carreiras profissionais, pagamento dos feriados, pagamento do trabalho suplementar, descanso semanal de dois dias consecutivos e com fim-de-semana uma vez por mês, regime de férias, diuturnidades, formação profissional, medicina no trabalho, etc., tem contribuído também para a fuga dos trabalhadores do setor.
São os horários imprevisíveis e infindáveis, razões às quais podemos adicionar os ritmos de trabalho intensos, a precariedade dos vínculos laborais, o trabalho ilegal e clandestino, o trabalho não declarado, os baixos salários praticados e a exposição involuntária ao fumo do tabaco que levam à fuga dos trabalhadores do setor e à existência de dificuldades de contratação de novos trabalhadores.
Estas condições violentas de trabalho provocam uma grande desmotivação e situações graves na saúde, como o stress, depressão, ansiedade, dependência medicamentosa, cansaço, fadiga e o desmoronamento do ambiente familiar, sendo estas as verdadeiras razões que levam os trabalhadores a abandonarem o setor e a não quererem voltar. Ouvimos muitos trabalhadores dizerem: “trabalhei no setor da hotelaria para ganhar uns trocos, para me desenrascar, até gostava de trabalhar na hotelaria, mas tive de sair porque não tinha vida pessoal e familiar, andava sempre muito cansado, não convivia com os meus amigos e familiares, não podia constituir família e ter filhos por causa dos horários longos, a imprevisibilidade dos horários e os baixos salários”.
Na verdade, aos trabalhadores do setor, em particular aos que trabalham em estabelecimentos da restauração e bebidas, não são assegurados direitos constitucionais fundamentais como o direito à organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação da atividade profissional com a vida familiar, o direito à prestação do trabalho em condições de segurança e saúde, o direito ao repouso e lazer, ao direito a um limite máximo da jornada de trabalho e ao descanso semanal legal e obrigatório.
Conclusão
Por isso, em conclusão, não há falta de interesse em trabalhar no setor do turismo, bem pelo contrário, os trabalhadores procuram muito o setor para fazer carreira profissional: Não há falta de trabalhadores no setor, até há profissionais desempregados. O que é necessário é assegurar as condições mínimas de trabalho e de vida a quem trabalha e para quem quer vir trabalhar para o turismo, com horários previsíveis, cargas horárias diárias e semanais respeitadas, dois dias de folga seguidos, folgas periódicas ao fim de semana, cumprimento da tabela salarial mínima, pagamento do trabalho suplementar e do trabalho em dia feriado conforme estabelece o CCT, eliminação do trabalho ilegal e clandestino e do trabalho não declarado, quadros de pessoal preenchidos, cumprimento do regime de diuturnidades, das carreiras profissionais e das demais disposições da Lei e da contratação coletiva.
Porto, 27 de agosto de 2018