Programa operacional da Competitividade e Internacionalização - versão1.3 - Dezembro 2014

europeO Programa Operacional da Competitividade e Internacionalização (POCI) agora entregue pelo governo português à Comissão Europeia (versão 1.3) não tem em conta a realidade concreta do país, uma vez que não responde às necessidades da maioria esmagadora das empresas.

A ser implementado tal como consta desta proposta pode até contribuir para uma maior segmentação da economia portuguesa, aumentando o fosso entre uma minoria de empresas mais competitivas orientadas para a exportação – preferencialmente apoiadas pelo POCI - , e as restantes, que apesar de constituírem a esmagadora maioria, correm o risco de não ter acesso ao programa, já que são marginalizadas no sistema incentivos. A gravidade desta dualização da economia nacional ainda se torna mais clara se se tiver presente que, das cerca de um milhão de empresas que existem no país, as que exportam são em número inferior a 20 mil.

Contrariamente ao que a CGTP-IN tem defendido, persiste-se no erro de tomar como objectivo prioritário do programa as empresas produtoras de bens e serviços simultaneamente "transaccionáveis e internacionalizáveis" (ver Eixo I mas principalmente o Eixo II), a que se atribui cerca de 69% dos fundos comunitários do programa.

A nosso ver, o acento devia ser nos "bens e serviços transaccionáveis" tanto para a exportação como para a substituição de importações. Na pág. 19 afirma-se que o "programa assume claramente uma focalização nos apoios à competitividade das PME e inovação, centrada nos bens e serviços transaccionáveis e internacionalizáveis, por forma a acelerar a mudança de perfil de especialização produtiva, já inicializada no QREN assim como no aumento da intensidade exportadora da economia". No nosso entender, o PO Factores de Competitividade do QREN foi um fracasso no que diz respeito à alteração do perfil produtivo, o que foi confirmado por um estudo de avaliação externa encomendado pelo próprio programa.

Desta forma, insiste-se no erro de considerar que as exportações são a solução milagrosa para a recuperação da economia, quando a experiência tem mostrado que qualquer recuperação, por mais pequena que seja, faz disparar as importações devido à destruição da capacidade produtiva do país verificada nos últimos anos. Pelo contrário, a aposta na produção de bens transaccionáveis que substituam as importações deve ser um dos principais objectivos estratégicos do POCI.

Esta focalização quase exclusiva nas "empresas de bens e serviços transaccionáveis e internacionalizáveis" está em contradição com a "estratégia do programa" definida logo no início, onde se enumeram como objectivos da estratégia, entre outros, os seguintes: (1) A "reindustrialização" através da modernização e dinamização da indústria nacional; (2) "Promover e facilitar o investimento no país"; (3) A "redução do elevado endividamento externo do país". É evidente que estes objectivos não serão alcançados "focalizando os apoios à competitividade" exclusivamente, ou quase exclusivamente nas empresas produtoras de " bens e serviços transaccionáveis e internacionalizáveis", ou seja, nas empresas exportadoras que são menos de 20 mil como já foi referido.

Logo no início desta versão do POCI (págs. 2 e 3) refere-se a existência de "entraves relevantes ao financiamento da actividade económica", afirmando-se mesmo que, desde 2011, as "taxas de juro de novos empréstimos contraídos pelas empresas portuguesas junto da banca são cerca de duas vezes superiores à média da Zona Euro e perto também do dobro dos spreads verificados em Espanha, Irlanda e Itália".

No entanto, a situação do financiamento às empresas é ainda mais grave do que aquela que a proposta refere, apesar de afirmar que, entre Maio de 2011 e Abril de 2014, " o volume de credito bancário às PME caiu perto de 21%". E isto porque, em primeiro lugar, as taxas de juro (incluindo spread) que as PME são obrigadas a pagar (6% ou mais) são o dobro das exigidas pela banca às grandes empresas; em segundo lugar, porque as exigências de garantias pedidas pela banca levam à exclusão de acesso ao crédito por parte da esmagadora maioria das PME e microempresas.

Segundo dados constantes do Boletim Estatístico do Banco de Portugal, de Novembro de 2014, entre Dezembro de 2010 e Junho de 2014, o crédito às microempresas (344 mil) diminuiu em 1.838 milhões €; o crédito às pequenas empresas (34 mil) caiu em 10.399 milhões €; o crédito às médias empresas (6 mil) diminuiu em 7.853 milhões €. Só o crédito às grandes empresas (apenas 1000) aumentou 2.461 milhões €, pois passou de 77.989 milhões € para 80.450 milhões €. E apesar da gravidade da situação que atinge fundamentalmente as microempresas, as pequenas e médias empresas, nesta versão do POCI não se encontra qualquer medida que vise criar um mecanismo de garantia de risco inerente à concessão de credito de forma a ultrapassar as exigências da banca relativamente à concessão de financiamento a este tipo de empresas.

Este problema ainda se torna mais claro se se tiver presente que em Portugal, nos últimos três anos, se assistiu a uma destruição significativa da capacidade produtiva, pondo grandes entraves à recuperação futura. De facto, segundo o INE, entre 2011 e 2013 o "consumo de capital fixo", ou seja, o valor do desgaste do capital fixo decorrente da sua utilização, foi superior a todo o investimento (FBCF) realizado no mesmo período em 8.907 milhões €, o que deve ter determinado uma queda importante do chamado "PIB potencial" ("capacidade produtiva instalada da economia").

Um aspecto importante pelos efeitos que poderá ter nomeadamente no que diz respeito aos investimentos realizados por PME se não for correctamente gerido é a intenção de que a maioria dos incentivos sejam reembolsáveis, não se apontando no documento quaisquer critérios de classificação, nem se indicando que tipo de empresas e de projectos serão abrangidas por tal exigência. Esta exigência ganha uma acuidade maior, se se tiver presente, conforme consta da pág. 31 desta versão do POCI, que "os incentivos reembolsáveis representam, indicativamente 62% do total de apoios directos a empresas e 42% do FEDER".

Se tal exigência for aplicada às PME é natural que provoque uma forte retracção a nível de candidaturas por parte destas empresas, por falta de capacidade financeira para reembolsar os incentivos recebidos, afastando a esmagadora maioria das PME e concentrando o apoio nas grandes empresas, nomeadamente as exportadoras.

Em relação ao Eixo III, que visa a "Promoção da sustentabilidade e de qualidade de emprego" onde, segundo o próprio Governo, se concentra "a totalidade dos apoios concedidos no âmbito do FSE às empresas", e que pode incluir acções de formação integradas ou acções autónomas (pág. 112), parece-nos que o Estado não pode desresponsabilizar-se dessa importante função e obrigação. Ao atribuir às empresas o exclusivo de tal função, corre-se o risco de utilizações perversas (serem utilizadas para, no lugar de promover o emprego, promover a destruição de emprego), pelo que defendemos o papel activo do Estado neste domínio.

Consideramos o Eixo IV, que visa a "Promoção de transportes sustentáveis e eliminação dos estrangulamentos nas principais redes de infra-estruturas" fundamental. No entanto, verificam-se significativas omissões, apesar de muitos dos investimentos previstos serem importantes. Referimo-nos, nomeadamente, à necessidade urgente de se realizarem investimentos em transportes ferroviários, nomeadamente no metropolitano, nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, não só com o objectivo de melhorar a mobilidade da população que vive e trabalha nestas regiões, mas também para possibilitar a substituição do modo de transporte ainda dominante – o automóvel - caro, poluente e que agrava a dependência energética do país, por modos de transportes sustentáveis e muito mais eficientes sob o ponto de vista energético como é o transporte ferroviário de passageiros.

O POCI é totalmente omisso nesta matéria, o que irá agravar ainda mais a situação da mobilidade nestas áreas fundamentais do país. Recorde-se que os investimentos de modernização e de ampliação das redes vias estão totalmente congelados há muitos anos e o material circulante é já insuficiente e desgastado. Preferiu canalizar-se uma parcela dos fundos comunitários para a consolidação das ligações de transportes europeias, o que poderá contribuir para aumentar a dependência de Portugal em relação ao espaço da UE, que concentra já cerca de 70% do nosso comércio internacional.

Em relação ao Eixo V, que devia ser um eixo importante, pois visa aumentar a eficiência da Administração Pública, não podemos deixar de assinalar como negativo, tal como aconteceu no QREN, a reduzida afectação de fundos comunitários: - apenas 162 milhões €, o que representa apenas 3,6% do POCI. É evidente que os resultados que poderão ser alcançados com um montante tão escasso serão reduzidos, até tendo em conta as dificuldades orçamentais existentes em todas as Administrações Públicas.

Quanto ao acompanhamento e avaliação, a CGTP-IN defende que os parceiros sociais devem ter membros em todas as comissões de acompanhamento. Contudo, até ao momento a nossa participação não está assegurada em todos os programas operacionais.

Insistimos ainda que as organizações representativas dos trabalhadores das entidades beneficiárias dos projectos a apresentar para obtenção de incentivos no âmbito do POCI tenham maior participação quer na fase anterior à sua aprovação de elaboração, quer na fase de realização. É fundamental que o impacto da execução dos projectos seja avaliado em vários momentos da sua execução com base em dados fiáveis sobre os resultados alcançados para conhecer o impacto real quer para os trabalhadores, quer para a empresa, quer para o país.

09-12-2014

CGTP-IN