CGTP-IN
INTERVENÇÃO DE ABERTURA
mcsabertura01 MANUEL CARVALHO DA SILVA
Secretário-Geral da CGTP-IN

 

 

 

MANUEL CARVALHO DA SILVA

Secretário-Geral da CGTP-IN

 

INTERVENÇÃO DE ABERTURA

 

 

 

Na preparação deste 11º Congresso sentimos profundamente a complexidade do contexto social, económico, cultural e político que hoje se vive no plano nacional, europeu e mundial. O seu lema: Emprego, Justa Distribuição da Riqueza”, completado com o sub-lema “Dar mais força aos Sindicatos”, procura responder a esta situação e serve com objectividade os interesses dos trabalhadores e do país.

 

Com efeito, a criação de emprego com direitos e bem remunerado, constitui-se como desafio central para a modernização e desenvolvimento da sociedade portuguesa, que por outro lado, está carente de uma mais justa distribuição da riqueza existente. Sabemos, entretanto, que estes objectivos só serão atingidos com uma forte mobilização e luta dos trabalhadores, por isso nos propomos dar mais força aos sindicatos.

 

Temos consciência do terreno em que nos movemos, conhecemos as dinâmicas do nosso tempo e o patamar de desenvolvimento da sociedade portuguesa nas suas diversas componentes, todos os dias observamos e procuramos vencer as nossas fragilidades e, por tudo isso, reafirmamos que o sindicalismo permanentemente renovado e revitalizado tem um papel insubstituível. Propomo-nos trabalhar para enfrentar com êxito os desafios que nos pertencem. Desafiamos cordialmente as forças sociais e políticas que atribuem centralidade ao lugar do trabalho na sociedade, a tratarem com mais acutilância a valorização do trabalho e a colocarem nas suas agendas a exigência da dignificação de quem trabalha e da importância do sindicalismo. Exigimos do patronato e do Governo que respeitem os direitos individuais e colectivos dos trabalhadores e as liberdades sindicais que constituem pilar fundamentar do Estado Democrático.

 

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Durante os últimos meses, bastante se tem escrito e dito sobre a CGTP-IN e o que pode significar este Congresso na vida da maior e mais activa organização social portuguesa e quanto à sua intervenção na sociedade. Não nos zangamos com as especulações; saudamos as análises e reflexões fundamentadas, mesmo que discordantes das nossas; lamentamos quando nos deparamos com algumas opiniões que partem de posições de ignorância dos temas do sindicalismo ou de frustrações pessoais dos seus autores, por nada perceberem das dinâmicas sociais e dos processos de transformação da sociedade, e verem tudo a partir de curtos espartilhos formados por meia dúzia de paradigmas economicistas e por alguns slogans ideológicos do neo-liberalismo dominante.

 

O tema da autonomia e da independência sindical tem sido, um tema recorrente nos últimos tempos. É bom que se discuta, porque ele é muito importante. Como se pode assegurar a autonomia e a independência? Em primeiro lugar, é indispensável que os patrões (privados e públicos) respeitem a liberdade sindical e os direitos de organização e acção, condição base para a autonomia; em segundo lugar, que o poder político faça respeitar os direitos laborais e sindicais, e cumpra as suas obrigações de dar conteúdo e eficácia aos direitos de participação institucional dos sindicatos; em terceiro lugar, que exista mais valorização do trabalho e do papel dos trabalhadores na sociedade; em quarto lugar, que os sindicatos sejam representativos, tenham organização e acção nos espaços de trabalho, autonomia financeira e uma vida democrática efectiva, desde a base até ao topo.

 

Esta Central Sindical é uma criação dos trabalhadores portugueses e vai continuar a sê-lo, sem que isso signifique situar-se numa redoma que a isola de todas as dinâmicas e influências que se manifestam na sociedade.

 

Somos um projecto unitário e decididamente não abdicaremos de o ser. A CGTP-IN é um património comum de quantos trabalham e lutam por um Portugal de prosperidade, justiça e liberdade. Como movimento sindical de classe proponente e fortemente reivindicativo reafirmamos os nossos objectivos programáticos de: (i) Promover um Portugal Democrático, Desenvolvido, Solidário e Soberano, assente nos valores, ideais e conquistas da Revolução do 25 de Abril; (ii) Contribuir para a construção da Democracia Política, Económica, Social e Cultural em que se conjugam o respeito pelos Direitos Humanos com evolução sustentada em todas as dimensões da vida humana, na valorização do trabalho e na dignificação dos trabalhadores; (iii) Defender os Direitos dos Trabalhadores e a Democracia porque os direitos de quem trabalha são parte integrante da vida democrática.

 

Sabemos que hoje, de forma redobrada, é preciso uma intervenção cada vez mais articulada entre o plano local, nacional, europeu e mundial. Por isso assumimos uma significativa reflexão sobre as questões da actividade sindical internacional.

 

Registamos que, entre o X e o XI Congresso, se verificaram alterações profundas na composição e estruturação do movimento sindical internacional. A CGTP-IN acompanhou a par e passo estas transformações, participando nelas com sentido de responsabilidade. No seu Programa a CGTP-IN propõe-se agora continuar esse acompanhamento, podendo assumir novas linhas de relacionamento e cooperação, na base de disponibilidade mútuas, a aferir em cada contexto, face a conteúdos e formas concretas.

 

Constitui assim uma primeira prioridade do trabalho da CGTP-IN no plano internacional, reforçar a sua participação nas organizações em que estamos filiados, a CES e a Comunidade Sindical dos Países de Língua Portuguesa (CSPLP);e reforçar as relações bilaterais com os movimentos sindicais, com afinidades de princípios e de acção, dos países que integrem processos de articulação regional. Esta actividade, sempre baseada no imprescindível confronto de posições, deve significar para a CGTP-IN, a partir dos seus princípios e objectivos, uma aferição constante das evoluções que se vão verificando no plano sindical, à escala global.

 

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Foi num quadro profundamente adverso, quer em termos nacionais, quer internacionais, que desenvolvemos a nossa actividade nos últimos quatro anos. Na primeira fase do nosso mandato, em 2004 e início de 2005, tivemos a nível nacional as políticas dos governos PSD-CDS/PP que agudizaram a instabilidade política, aprofundaram os problemas económicos e sociais, aumentaram a desconfiança dos portugueses nas instituições, bem como a descrença na capacidade de resolução dos problemas nacionais. A CGTP-IN desempenhou significativo papel na denúncia e combate a essas políticas.

 

O clima de esperança e as legitimas expectativas que resultaram das eleições legislativas de Fevereiro de 2005 ganhas pelo partido Socialista, com maioria absoluta, acabaram por ficar claramente frustradas face às medidas que foram sendo tomadas pelo Governo do Partido Socialista que, no essencial, não só não corresponderam às promessas feitas, como levaram a que a resolução dos principais problemas do país continuasse adiada e, em vários aspectos, se fossem agravando.

 

O patronato, na sua esmagadora maioria, continuou, nestes ano, a não assumir as suas responsabilidades. Organizam-se como grupos de interesses com o objectivo de comandarem ilegitimamente o processo político, subordinando o Governo às suas orientações; fazem da destruição do aparelho produtivo, a que se vem assistindo, um campo de negócios para uns quantos; vão dando apoio a processos e negociatas que favorecem a especulação e o enriquecimento fácil e escandaloso de alguns capitalistas; e, acima de tudo, procuram agir como central/comando dos ataques aos direitos dos trabalhadores e à imposição de políticas de baixos salários e de generalização da precariedade.

 

Os grandes patrões desde país, estão entre os primeiros responsáveis pelas imensas dificuldades que milhões de portugueses sentem face ao seu baixo nível salarial e ao elevado custo de vida, pelo agravamento da situação económica, e por Portugal não se desenvolver.

 

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A CGTP-IN concretizou, nestes quatro anos, um projecto sindical radicado numa postura simultaneamente reivindicativa e proponente, e numa intervenção responsável e responsabilizadora, a nível do aparelho de Estado, das instituições de âmbito nacional ou comunitário, ou em sede de concertação social, visando sempre servir os interesses dos trabalhadores e potenciar a sua capacidade reivindicativa. Simultaneamente foi dada importância ao diálogo regular e consequente com as forças sociais e políticas e ao relacionamento e articulação de acções concretas com movimentos sociais diversos.

 

A CGTP-IN, em todas as áreas da sua intervenção, formulou e fundamentou propostas e lutou por elas com uma extraordinária dimensão de intervenção sindical, em torno de temas laborais, sociais e sócio-políticos. Entre acções reivindicativas, greves e movimentações de massas, foram mobilizados alguns milhões de trabalhadores e significativas camadas da população. Disso são exemplos particularmente expressivos: as comemorações do 1º de Maio, realizadas a nível nacional, que constituíram impressionantes manifestações de afirmação da vontade dos trabalhadores e das populações; a Greve Geral de 30 de Maio de 2007, em que estiveram envolvidos cerca de 1 milhão e 400 mil trabalhadores; o protesto geral de 12 de Outubro de 2006 em Lisboa com mais de 100 mil participantes; a Acção Nacional de Luta Convergente de 2 de Março de 2007 que reuniu em Lisboa cerca de 150 mil participantes; a manifestação realizada em Guimarães em 5 de Julho de 2007 que reuniu cerca de 30 mil participantes; a mega manifestação de 18 de 0utubro de 2007, em Lisboa, por ocasião da Cimeira de Lisboa, realizada sob o lema “Por uma Europa Social – Emprego com Direitos” com mais de 200 mil participantes.

 

Com as lutas desenvolvidas os trabalhadores e trabalhadoras do sector privado e do sector público defenderam direitos individuais e colectivos e emprego, evitaram despedimentos e encerramentos de empresas e serviços. Houve lutas simbólicas de enorme importância para os trabalhadores envolvidos mas também para a afirmação de direitos fundamentais como foi o caso das empresas Pereira da Costa, da Valorsul, da Cofaco nos Açores, dos Transportes Colectivos de Guimarães…

 

Travámos grandes combates com êxito. Por exemplo, apesar da pressão das forças conservadoras e do sector financeiro, evitamos, até hoje, a imposição da privatização de partes das pensões de reforma e, apesar da imposição de perdas no valor futuro das pensões, credibilizamos a segurança social junto dos trabalhadores e da sociedade; mantivemos vivo o combate à grande evasão fiscal e conseguiu-se colocar o tema na agenda política; com um enorme esforço e uma ou outra perda pontual, conseguimos o extraordinário êxito de manter, nestes quatro anos, a generalidade da contratação colectiva e concretizar a revisão de um grande número de convenções com ganhos para os trabalhadores; decididamente avançámos com uma proposta e uma estratégia para fazer crescer o SMN, conseguindo que o nosso objectivo dos 500 euros venha a ser um facto em Janeiro de 2011.

 

No plano da organização filiámos mais três sindicatos e fizemos mais 168.189 novas sindicalizações, das quais 26,5% são jovens com menos de 30 anos e 51,2% são mulheres.

 

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Uma análise, mesmo que sumária, da actual situação, mostra-nos que o mundo está a ser comandado pelos interesses hegemónicos do capital financeiro e do poder das multinacionais, no quadro de um processo de globalização capitalista e de cariz neoliberal, que procura impor-se como solução única para o devir da humanidade, provocando graves desequilíbrios e contradições no desenvolvimento entre países, um clima generalizado de inseguranças, um forte agravamento das injustiças e desigualdades sociais e o aumento das ameaças à paz em diversas regiões do mundo. O poder das multinacionais, no contexto de múltiplas mudanças que se vão operando no mundo, é a primeira causa do surgimento de contornos novos e perigosos na divisão social e internacional do trabalho, desregulando os mercados de trabalho e aprofundando as condições de exploração dos trabalhadores.

 

A conquista de novos mercados e o domínio das matérias-primas, por parte das grandes potências e do grande capital, tem levado à eclosão de graves e prolongados conflitos armados. É exemplo deste carácter agressivo, a guerra e ocupação conduzidas pelos E.U.A. no Iraque, que têm como consequências a perda de milhares e milhares de vidas humanas, a destruição de infra-estruturas e bens, o sofrimento dos povos e o aumento das inseguranças e das instabilidades. Estas são também causas fundamentais que colocam na ordem do dia a questão do terrorismo, cujo alegado combate tem servido para impor graves limitações aos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

 

Assistimos, maravilhados, a grandes e contínuos avanços da ciência e da técnica mas, paralelamente, observamos com espanto e indignação que esses mesmos avanços, não são colocados, como deviam, ao serviço do ser humano no sentido de melhorar as suas condições de vida, nem para proporcionar um desenvolvimento mais harmonioso das nossas sociedades. O que se passa é que, em vez de se trabalhar para esse desenvolvimento, se fomenta a institucionalização do mais feroz individualismo, que isola as pessoas para depois as responsabilizar pelos problemas com que se debatem.

 

 Os resultados concretos destas políticas neoliberais, são ainda o agudizar de problemas como a fome e a pobreza, o aumento dos riscos e das catástrofes ambientais, de epidemias mundiais e da escassez de recursos básicos.

 

Os malefícios de tais opções estendem-se com os mesmos impactos à União Europeia que, pela sua história e pelos valores que se propagandeia serem a sua própria génese, deveria assumir-se como uma alternativa civilizacional à lei da selva, instituída pelo neoliberalismo, e ser impulsionadora de novos quadros de relações com terceiros, desde logo com países e blocos de nações emergentes no processo mundial. Ora a União Europeia não só não se afirma como alternativa como, pelo contrário, está a impulsionar a vaga neoliberal no plano dos valores e das práticas económicas e sócio-políticas.

 

Não nos espantamos, embora nos revoltemos, com o facto de as prioridades da União Europeia se centrarem no aprofundamento do mercado, a grande preocupação das instituições europeias sempre empenhadas em garantir a livre circulação de capitais, a liberalização económica, a desregulação e flexibilização desequilibrada do mercado de trabalho.

 

Estas são algumas das muitas razões que explicam o contínuo afastamento dos cidadãos europeus do projecto da União Europeia. Estes sentem que a construção europeia está divorciada dos seus interesses essenciais, que os problemas mais sentidos como o desemprego, as deslocalizações, as precariedades crescentes e as desigualdades, se agravam profundamente, que a Europa está mais liberal, com os serviços públicos crescentemente privatizados e enfraquecidos, que a concentração do capital é cada vez mais acentuada e a segurança social mais frágil. Tudo isto coloca um enorme desafio ao movimento sindical europeu a nível dos países e na acção coordenada e articulada que se deve referenciar na Confederação Europeia de Sindicatos. Precisamos de uma acção ofensiva e lutas fortes em benefício dos trabalhadores europeus, mas também dos trabalhadores de todo o mundo.

 

Entretanto a União Europeia está hoje munida de um novo Tratado, ainda que não ratificado por todos os Estados Membros. O Tratado de Lisboa, no seu texto, adopta o neoliberalismo como doutrina e dá ao mercado um valor quase absoluto. A partir desta orientação, não temos dúvidas que nos vamos confrontar, no futuro, com medidas visando conduzir a União Europeia a um patamar de nivelamento por baixo, no que respeita a condições de vida e de trabalho. Por outro lado verificam-se, no campo da política externa e de segurança comum, significativas transferências de soberania para a União Europeia, o mesmo se passando com a gestão dos nossos recursos marinhos, ao mesmo tempo que o social surge desvalorizado e secundarizado.

 

Em segundo lugar, dizemos claramente que tais situações deveriam ter sido não só objecto de informação, o que não se verificou, como de debate e, acima de tudo, de pronunciamento popular. Daqui reafirmo, em nome do Congresso, que não aceitamos que a forma de ratificação do Tratado seja a via Parlamentar, continuando a exigir que o povo Português se pronuncie através de um Referendo, a culminar um amplo debate. Quanto mais se retardarem consultas aos povos, mais problemas se vão acumulando!

 

Não somos anti-europeus, mesmo que nos cataloguem como tal, pelo facto de assumirmos que é necessária uma nova estratégia para a União Europeia, assente em políticas económicas e sociais que promovam o desenvolvimento sustentável e as várias componentes do modelo social europeu.

 

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O princípio da responsabilidade social colectiva, que positivamente marcou a evolução das condições de vida dos trabalhadores e povos europeus, sustentando o desenvolvimento do Estado-Providência, está afectado pelo desinvestimento do Estado na salvaguarda da justiça social, debaixo das imposições de políticas cegas, em nome, por exemplo, do combate ao défice público, ou de um argumentário doutrinal que toma as diferenças resultantes dos distintos processos de socialização como fundamento desestruturador da afirmação da igualdade.

 

Não é possível manter, reformular ou desenvolver o Estado Social, assim como não é possível uma regulação e regulamentação das relações de trabalho que seja coerente, solidária e justa, numa sociedade que se enquadre no ressuscitar de velhas e reaccionárias catalogações dos indivíduos que, de forma simplista e simultaneamente violenta, nos dividem entre capazes e incapazes, competentes e incompetentes, frugais e perdulários, preguiçosos e diligentes.

 

A ofensiva contra os trabalhadores, que sentimos no nosso país, tem-se desenvolvido numa acção convergente do patronato e do poder político. Tal ofensiva, sem deixar de afectar os direitos individuais, tem, porém, o seu centro de gravidade nos direitos colectivos, pondo em causa o direito de contratação colectiva, através da caducidade de convenções colectivas, e por restrições, directas e indirectas, ao livre exercício da actividade sindical. O mercado de trabalho nunca esteve tão desregulado por via da precariedade de emprego, da proliferação dos falsos recibos verdes e do trabalho temporário, do não cumprimento das normas legais e contratuais. O Código do Trabalho assumiu um papel preponderante que, agora, patronato e Governo querem prosseguir e aprofundar, com uma revisão centrada na aplicação do conceito de flexigurança “à portuguesa”, carregada de objectivos que visam facilitar o despedimento e embaratecer os custos do trabalho pela redução das retribuições do trabalho, enfraquecer o direito do trabalho e a contratação colectiva, e colocar novos entraves à actividade sindical.

 

O Governo actual submete-se de forma chocante aos interesses e às imposições dos grandes senhores do poder económico e financeiro e às orientações do grande patronato que faz dos trabalhadores bodes expiatórios da sua incapacidade e da falta de vontade em contribuir para o desenvolvimento das empresas e do país. O Governo sabe, como nós, que não é com a imposição de baixos salários, muita precariedade e falta de qualidade no emprego que as empresas se vão tomar mais competitivas, mas apoia o patronato nas suas imposições, e quantas vezes toma a dianteira nestas matérias, para dar o exemplo ao patronato.

 

Com um orgulho patético o Governo ataca os trabalhadores da Administração Pública, desde os menos aos mais qualificados, reduzindo violentamente os seus salários reais, ao mesmo tempo que procura estilhaçar o vínculo público para facilitar uma desvalorização e precarização generalizada do emprego. E tem em curso múltiplas medidas desastrosas, no contexto daquilo que designa de grandes reformas na Educação, Ensino, Saúde, Justiça, e Segurança Social.

 

É um escândalo a manipulação contínua, ano após ano, das previsões da inflação que o Governo de José Sócrates prossegue. Trata-se de um roubo consciente e programado à generalidade dos trabalhadores portugueses e aos reformados que ano após ano vai contribuindo para o empobrecimento dos portugueses.

 

A persistência em políticas de baixos salários, é a primeira causa do sofrimento de centenas e centenas de milhar de famílias portuguesas. O País precisa de um crescimento do rendimento das famílias, mas não haverá crescimento sério e generalizado dos salários se não existir efectivação do direito de Negociação Colectiva no Sector Privado e na Administração Pública, onde o Governo não negoceia.

 

A contratação colectiva não pode transformar-se em mera cartilha de compromissos dos trabalhadores para com os objectivos económico-financeiros dos grandes accionistas das empresas, submetendo ao objectivo do lucro a dimensão social, cultural e política do trabalho e das relações de trabalho.

 

Não é verdadeiro o pressuposto liberal de que o trabalhador, individualmente considerado, está, no estabelecimento da relação laboral, em pé de igualdade com o poder do patrão. E há que colocar claro que a desregulação ou não-regulação que o neoliberalismo pretende impor é uma forma de regulação unilateral e violenta, imposta pelos mercados, pelas empresas, pelas políticas neoliberais dos governos.

 

Por outro lado, o movimento sindical não pode deixar-se manietar por construções conciliatórias suportadas em relações de forças desequilibradas em desfavor dos trabalhadores, e em novos conceitos manipulados, como o da flexigurança, criados sob o alegado determinismo económico. Esse conceito é resultante de uma experiência em sociedades desenvolvidas com grandes equilíbrios entre o económico e o social, com grande rigor e responsabilização individual e colectiva, e será perigoso alimentar a ilusão da sua aplicabilidade, de forma universal, a sociedades com condições sociais, económicas, culturais e políticas profundamente diferenciadas e em diferentes patamares de desenvolvimento.

 

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As desigualdades sociais têm-se vindo a acentuar. Permitam-me, caros delegados, chamar a vossa atenção para a leitura atenta e a reflexão sobre o documento que têm nas vossas pastas, elaborado pelo nosso Gabinete de Estudos.

 

Desde há muito tempo que a CGTP-IN vem chamando a atenção para esta realidade, ou seja, para os vários mundos existentes no país; para a obtenção de lucros desmedidos; para a ostentação da riqueza quando há tanta gente a viver mal; para a arrogância dos poderosos quando há tantos que não têm voz; para o escândalo persistente das uniões de facto, quando não de direito, entre interesses públicos e privados; para as concepções caritativas que disfarçam mal intenções de privatizar o Estado Social, perspectivando reparti-lo entre o capital financeiro, que ficaria com a parte de leão, e uns bocaditos para certas organizações sociais.

 

Agrada-nos que a esta questão esteja a ser dada maior visibilidade nos últimos tempos e que o Presidente da República tenha chamado a atenção para os desproporcionados salários dos gestores, face aos as restantes trabalhadores. As diferenças são tão abismais que podemos perguntar: será que são justificados pela natureza, quantidade e qualidade do trabalho? Se assim fosse as empresas portuguesas estariam no grupo das melhor geridas no mundo, o que sabemos não ser verdade. Veja-se o caso do BCP, onde, em 2006, cada administrador arrecadou perto de 3 milhões de euros. Este banco, tantas vezes apresentado como exemplo da iniciativa privada, parece ter sido afinal uma plataforma de especulação financeira, de favores trocados entre gestores e grandes accionistas. Estes atribuíam principescas retribuições àqueles, a troco da concessão de condições de favor no acesso a créditos e a baixas taxas de juros, dentro da instituição ou com o apoio dela.

 

Mas isto é apenas a ponta do iceberg. Em Portugal as 100 maiores fortunas valem 22% do nosso PIB e cresceram 36% em 2007 (como vêem, um pouco acima da inflação!); os 10% com rendimentos mais elevados ganham 12 vezes mais que os 10% menos afortunados; 10% das famílias dispõem de 74% de activos financeiros. Entretanto existem mais de 300 mil famílias onde há, em simultâneo, falta de rendimentos e dificuldades de acesso a um nível mínimo de bem-estar, a condições de alojamento condignas. Isto é revoltante! Os portugueses têm que se mobilizar contra este estado de coisas. Temos que ser exigentes na aplicação do princípio da solidariedade.

 

Sabemos também que um elevado número de trabalhadores vive com baixos salários que estagnaram ou reduziram o seu poder de compra. Não se trata apenas de sectores ditos tradicionais e intensivos em mão-de-obra. Esta situação passa-se também no comércio a retalho, nos serviços às empresas e às pessoas, nos serviços de atendimento (os designados “call-centers”).

 

Os empregos criados são, cada vez mais, de má qualidade: mal pagos, precários, pouco qualificados, com longos horários, sem direitos. São ocupados, muitas vezes, por jovens. O estudo das desigualdades chama a atenção para o facto de os jovens terem um salário que é apenas 67% do dos restantes trabalhadores, de terem uma taxa de desemprego que é o dobro da média, e uma elevadíssima precariedade. Isto deveria constituir motivo de reflexão profunda; devemos perguntar se é legítimo e quais as consequências de se estar a sacrificar toda uma geração. As fortíssimas condicionantes com que os jovens se deparam na organização da sua vida pessoal e familiar, radicam nas precariedades do trabalho e nas baixas remunerações.

 

Apontar o dedo às diferenças e desigualdades sociais existentes é importante mas não chega, e pode ser um mero exercício de hipocrisia se, ao mesmo tempo, quem as denuncia, promover ou pactuar com políticas que as fazem crescer: políticas de privatização, de liberalização, de desregulação e ataque sistemático aos serviços públicos e às funções sociais do Estado. É que estas políticas têm consequências no grau de acesso aos serviços públicos – o acesso à saúde, à educação, à aprendizagem ao longo da vida, à segurança social, à justiça, às novas tecnologias de informação e de comunicação. E estas políticas fazem também baixar a qualidade dos serviços públicos.

 

Se os serviços públicos não forem de qualidade está-se, de facto, a promover a sua apropriação por interesses privados; está-se, de facto, a fazer uma selecção social que favorece os que têm rendimentos mais elevados. Se as pensões de segurança social baixarem, está-se, de facto, a promover os esquemas privados de pensões; se unidades de saúde encerrarem, está-se, de facto, a incentivar a ocupação do espaço que fica livre por interesses privados.

 

Na sociedade portuguesa a acumulação de riqueza, discreta ou espampanante, anda, não poucas vezes, de braço dado com a caridade. O que a CGTP-IN defende é a justiça social, a progressividade dos impostos, o combate às desigualdades. Não é caminho de futuro desenvolver-se uma estratégia política que conduza a serviços públicos empobrecidos dirigidos a uma população empobrecida.

 

As desigualdades estão, em parte, relacionadas com a corrupção, que grassa no país. Poderemos estar num caminho de degradação, de difícil retorno. Infelizmente, temos todos os ingredientes que podem conduzir-nos para aí: um Estado democrático fraco; o tráfico de favores e de influências entre o político e o económico e entre o público e o privado; um sistema de justiça fragilizado, com crescentes sinais que o desacreditam e com falta notória de meios para atacar a grande criminalidade geradora de sentimentos de impunidade; uma “cultura” de não cumprimento das leis, de fuga ao fisco e à segurança social e de não aplicação da legislação de trabalho; insuficientes mecanismos de controlo e de transparência nos gastos do Estado; e temos também o frutuoso negócio dos pareceres e estudos, que, na prática, conduz à existência de estruturas ou de funções paralelas nos Ministérios e estruturas da Administração Pública Central e Local, feitos em nome do aconselhamento e como justificação de decisões políticas.

 

O país está, pois, numa situação difícil e de alguns perigos. É preciso muita objectividade e realismo na análise dos problemas. Os debates e reflexão que se vão desenvolver neste Congresso constituirão, por certo, um excelente contributo que o poder político e as forças sociais e outros podem e devem ter em conta na perspectiva da resolução dos grandes problemas nacionais, porque estes mais de 900 delegados ao Congresso são homens e mulheres que vivem no terreno os problemas concretos dos trabalhadores e das suas famílias, partilhando com elas os seus sofrimentos e angustias, mas também as suas esperanças e vontade de mudança.

 

A situação actual de enfraquecimento da democracia, de fraquíssimo crescimento económico, de crescentes desequilíbrios no plano social e de intensificação da exploração dos trabalhadores, tem causas e responsáveis. Desde logo, decorre da acção de um patronato predominantemente retrógrado, que não assume as suas responsabilidades e afronta os princípios em que se funda o direito do trabalho e, em particular, resulta das políticas seguidas pelos governos do PSD e do PS, coligados ou não com o CDS, sendo ainda de registar que não tem havido condições e força suficiente para se afirmarem na sociedade portuguesa, alternativas efectivas.

 

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Reforçar a organização sindical de base é uma das linhas de força essenciais do XI Congresso que reafirma a importância estratégica de uma acção sindical que corporize um sindicalismo de classe, proponente e fortemente reivindicativo, estruturado e organizado a partir dos locais de trabalho, alimentado e ancorado na mais ampla participação dos trabalhadores e trabalhadoras.

 

Sendo inquestionável a interdependência entre acção e organização, o cerne do sindicalismo é a acção. A organização suporta-a, de forma estabilizada e consequente. A organização eficaz é propiciadora da informação, da reflexão e do debate necessários à construção do poder reivindicativo e negocial, potenciador do desenvolvimento da negociação colectiva, da resolução vitoriosa dos conflitos e dos processos reivindicativos, do sucesso nos processos negociais e do êxito nas lutas. 

 

São imperativas soluções organizativas assentes numa forte vivência dos problemas nos locais de trabalho, de ligação aos trabalhadores e às estruturas sindicais das empresas ou serviços. A necessidade de responder com eficácia aos problemas cada vez mais complexos com que os trabalhadores estão a ser confrontados, exige dos sindicatos, mais estudo, formação e domínio dos problemas, e um mais profundo conhecimento das atitudes e das expectativas dos trabalhadores.

 

A todos os níveis da acção sindical precisamos de quadros preparados, capazes de interpretar a realidade, de agir em momento oportuno e de forma consistente, de construir identidade entre os trabalhadores, de acrescentar unidade e de dar corpo ao sindicalismo que a CGTP-IN protagoniza. Precisamos por isso de apostar decididamente na formação sindical de quadros e de activistas sindicais, uma formação que habilite e qualifique, que seja ideológica e política, que prepare para a acção, garantindo o seu bom êxito, ao mesmo tempo que ajude a construir a consciência de classe.

 

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Os trabalhadores portugueses são detentores de capacidades, de sentido de responsabilidade, de confiança e vontade política suficientes e indispensáveis para, no actual contexto europeu e internacional, se avançar na construção de um Portugal desenvolvido, solidário e soberano. Para tal, é preciso que se combata a degradação da democracia, que o poder político e as instituições assumam as suas funções com rigor e ética, que o patronato cumpra as suas obrigações e responsabilidades, que o Governo altere o rumo das suas políticas e que se cumpram, em toda a sua extensão, os princípios e objectivos inscritos na Constituição da República Portuguesa.

 

Neste XI Congresso, reafirmando a necessidade de defesa e valorização do aparelho produtivo e das actividades não especulativas como factores fundamentais para o desenvolvimento, tomando por base o Programa de Acção e dando centralidade e visibilidade aos seus temas fundamentais, vamos definir os conteúdos concretos de grandes objectivos reivindicativos que correspondam aos grandes problemas com que os trabalhadores se debatem. Propomos que o essencial da acção do movimento sindical se estruture em torno dos quinze grandes objectivos que dão corpo à Carta Reivindicativa, em discussão neste Congresso.

 

Reforçamos a afirmação de que o país vive uma situação difícil e perigosa. É preciso ouvir e ter em conta os justos protestos dos trabalhadores e as suas propostas. Precisamos de valorizar e efectivar a contratação colectiva e de trabalhar para a construção de compromissos sociais sérios, indispensáveis para resolver os problemas do país, mas jamais será possível concretizar esses objectivos se prosseguirem as políticas de ataque aos direitos laborais e sociais, bem visíveis no essencial das políticas sociais que estão a ser seguidas e nas linhas gerais que o Governo vai avançando para a revisão do Código do Trabalho.

 

É tempo de trabalhar para vencer os bloqueios que impedem o desenvolvimento do país.

 

É tempo de fazer crescer a esperança e a confiança.

 

É tempo de esclarecimento e de muita acção.

 

Temos capacidade e força para, com a nossa luta determinada, forçarmos as mudanças necessárias!

 

 

 

Lisboa, 15 de Fevereiro de 2008

 

 

 
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