É falso que mais de metade dos docentes ganhe acima dos 2250 euros

É falso que mais de metade dos docentes ganhe acima dos 2250 eurosQuererá João Costa ganhar na opinião pública, ainda que perdendo os professores? Se assim for, nada será inédito: nem a postura do ministro, nem a luta dos professores!

O salário recebido pelos docentes da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, ou seja, o salário líquido, nunca atinge os 2000 euros. A 6 de novembro, em parangonas, um órgão de comunicação social escrevia que mais de metade dos docentes teria um vencimento acima de 2250 euros. É falso! Falta saber por que o fez e a pedido de quem, mas essa é questão a que os professores facilmente respondem.

O grande título de capa era fundamentado em dados fornecidos pelo Ministério da Educação: 54 840 docentes dos 107 529 dos quadros (contrato por tempo indeterminado) encontram-se no 6.º escalão ou superior. Isso significaria que essa maioria ganharia entre 2254 e 3405 euros.

Só que não há, apenas, 107 529 docentes, mas, segundo o próprio ME, cerca de mais 28 000 contratados a termo, o que totaliza 135 529; como tal, a percentagem de docentes no 6.º escalão e seguintes é de 40% e não mais de metade.

Sabem os portugueses que o que conta é o que efetivamente recebem, isto é, o salário líquido, e quanto a esse:

- 60% dos docentes recebem um salário líquido entre 1050 e 1360 euros, sendo com ele que pagam deslocações, segunda habitação e todas as contas da vida, isto se tiverem um horário completo; nos casos em que o horário é incompleto, o salário é mais reduzido, nalguns casos até abaixo do salário mínimo nacional;

- 40% dos docentes (os que se encontram do 6.º ao 10.º escalão) ganha, mensalmente, entre 1400 e 1950 euros líquidos. Sendo estes os salários mais elevados, correspondem aos ilíquidos entre 2254 e 3405 euros, respetivamente, aos quais se aplicam descontos entre 850 e 1450 euros, o que constitui um verdadeiro assalto fiscal.

Sendo falso que mais de metade dos docentes esteja acima do 6.º escalão, não deixa de ser relevante o número dos que aí se encontram, pois reflete um dos principais problemas da profissão docente: o envelhecimento. E não são ainda mais os que estão nesses escalões porque os contratados a prazo são impedidos de receber os salários que deveriam auferir de acordo com o seu tempo de serviço, o que viola legislação europeia.

Acresce que há mais de 5500 docentes em lista de espera por vaga para progredirem aos 5.º e 7.º escalões, o que significa que, contrariamente ao que afirma o ministro João Costa, há milhares de professores com a carreira congelada e a perderem ainda mais tempo de serviço. Boa parte destes docentes estavam dispensados de vaga pela avaliação obtida, mas, devido às quotas, a sua classificação foi administrativamente reduzida.

É ainda importante lembrar que os docentes integrados na carreira estão entre um e três ou, excecionalmente, quatro escalões abaixo daquele em que deveriam estar se o tempo de serviço cumprido fosse integralmente contado, não houvesse vagas e não se aplicassem quotas na avaliação. Calcula-se que cerca de 70% dos atuais docentes não atingirá o escalão de topo, o que os penaliza, de imediato, no salário e terá forte impacto no cálculo da futura pensão de aposentação.

Os professores que se encontram no escalão de topo, por norma, já trabalham há 40 ou mais anos, pelo que seria justo que já pudessem estar aposentados. Porém, isso não lhes é permitido sem grandes penalizações na pensão.

Há que lembrar que os docentes são o grande grupo mais qualificado da Administração Pública (licenciatura pré-Bolonha ou mestrado pós-Bolonha, como formação de base) e dos que têm uma elevadíssima responsabilidade social. É, hoje, claro que, tendo em conta a exigência académica e a responsabilidade social destes trabalhadores, o valor dos salários dos docentes é um dos principais motivos do afastamento dos jovens da profissão.

Os salários sofreram uma tremenda desvalorização nos últimos anos: um docente que em 2005 tivesse 20 anos de serviço, ganhava mais 1070 euros brutos (diferença líquida ainda maior) do que um que tenha hoje esse tempo de serviço.

Como se tudo o que está para trás não fosse suficiente, é, agora, intenção do governo quebrar a paridade entre o topo da carreira docente e o da técnica superior, paridade essa alcançada em 1986, após muitos anos de luta.

Por último, os salários dos docentes, como os dos demais trabalhadores, estão a sofrer um tremendo desgaste com a inflação galopante e os irrisórios aumentos dos últimos anos, bem como com aquele que o governo pretende impor para 2023, pois não mereceu o acordo da maior frente sindical - a Frente Comum.

Todos os professores e educadores compreendem por que surgiu a notícia falsa sobre o seu salário. É que a greve do passado dia 2 de novembro foi uma grande greve e os portugueses compreenderam perfeitamente a sua justeza, como se pôde ouvir nas entrevistas de rua feitas pela comunicação social. Isso preocupou os governantes.

Não é novidade esta falta de respeito pelos professores, este discurso sobre o seu alegado ótimo salário e horário folgado ou o seu baixo profissionalismo, como acontece com as insinuações que têm sido recorrentes sobre situações de saúde. É um discurso instigado por quem não resolve os problemas, tentando, por via da manipulação, isolar quem reclama soluções. Este tipo de ataque infame, soez, fará aumentar os níveis de indignação e a luta dos professores. Quanto à opinião pública, não se deixou enganar por Lurdes Rodrigues e também não será enganada por João Costa.

As sucessivas perdas salariais dos docentes, a não resolução dos problemas de carreira (tempo de serviço, vagas e quotas), o arrastamento da precariedade, os abusos nos horários de trabalho, a aposentação tardia e a falta de respeito dos governantes serão, certamente, aspetos importantes que a FENPROF terá em consideração na reunião do seu Secretariado Nacional, de 10 e 11 de novembro, na qual, entre outras ações e lutas, será tomada decisão sobre a entrega de Pré-Aviso de Greve para 18 de novembro, dia para a qual está convocada uma greve pela Frente Comum dos Sindicatos da Administração Pública.

Fonte: FENPROF